Previdência sob suspeita: SPPREV e o dever de fiscalização
Simone Lopes*
A recente decisão do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) de instaurar uma auditoria sobre os descontos aplicados nas aposentadorias e pensões pagas pela São Paulo Previdência (SPPREV) merece ampla atenção. O que poderia parecer uma medida administrativa corriqueira, na verdade, evidencia uma preocupação legítima: a proteção dos aposentados diante de possíveis abusos e falhas em um sistema que deveria ser sinônimo de segurança.
A movimentação do TCE-SP ocorre no rastro das revelações da Polícia Federal sobre fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). No escândalo, identificaram-se esquemas organizados de descontos indevidos, inseridos mediante autorizações genéricas ou falsas, muitas vezes sem o pleno conhecimento dos segurados. Embora os casos sob investigação sejam, por ora, restritos ao INSS, a repercussão imediata é ampla: todo o sistema previdenciário nacional entra em estado de alerta.
No Estado de São Paulo, o conselheiro Marco Aurélio Bertaiolli sinalizou, durante a sessão plenária de 7 de maio, uma preocupação concreta. Em janeiro de 2025, foram abatidos R$ 26,8 milhões das aposentadorias e pensões estaduais, dos quais R$ 10,4 milhões se referem a rubricas não especificadas. É um número que, por si só, já justifica a ação do órgão de controle. Diante da sensibilidade social envolvida, a ausência de transparência nos lançamentos precisa ser tratada como um risco — não apenas fiscal, mas também ético.
Essa postura de prevenção e transparência, defendida por Bertaiolli, encontra respaldo jurídico e moral. O ordenamento constitucional brasileiro estabelece a proteção dos idosos como prioridade absoluta, e isso inclui o zelo pelo destino de seus proventos. Nesse sentido, é fundamental que o TCE-SP vá além de apurações formais e enfrente, de fato, as engrenagens que permitem a existência de práticas potencialmente lesivas aos beneficiários.
Vale destacar que a auditoria em questão não se restringirá à SPPREV. Ela abrangerá 218 institutos municipais de previdência espalhados pelo estado de São Paulo, o que reforça a dimensão do problema e, ao mesmo tempo, a responsabilidade institucional diante dele. Se em nível federal foi possível burlar o sistema por meio de autorizações genéricas, o risco de que o mesmo ocorra nos âmbitos estadual e municipal é real.
O presidente do TCE-SP, conselheiro Antonio Roque Citadini, foi preciso ao enfatizar o papel constitucional do tribunal no zelo pelos recursos públicos e na proteção dos aposentados. Sua fala ecoa uma verdade muitas vezes ignorada no debate previdenciário: não se trata apenas de contas, mas de vidas. Quando há descontos injustificados em benefícios previdenciários, há impacto direto no orçamento de quem já vive com rendimentos limitados. O dano é imediato e, muitas vezes, irreversível.
É inaceitável que aposentados e pensionistas, após décadas de contribuição ao serviço público, sejam surpreendidos com descontos obscuros e pouco explicados em seus contracheques. Pior ainda é quando esses descontos são fruto de esquemas ilegítimos que se aproveitam da boa-fé ou da desinformação dos beneficiários. Por isso, é essencial que a auditoria conduzida pelo TCE-SP seja rigorosa, mas também célere e comprometida com a reparação de eventuais danos.
Enquanto a auditoria avança, cabe aos segurados um papel ativo: é recomendável que todos revisem com atenção seus demonstrativos mensais e, ao identificar cobranças suspeitas, acionem as ouvidorias da SPPREV ou do próprio TCE-SP. Essa fiscalização cidadã fortalece o sistema e contribui para sua correção.
*Simone Lopes é advogada especialista em Direito Previdenciário e sócia do escritório Lopes Maldonado Advogados
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