Aposentados por invalidez aguardam que STF corrija distorção no cálculo do benefício
Caio Prates, do Portal Previdência Total
O Supremo Tribunal Federal deve concluir nos próximos dias o julgamento do Tema 1300, que discute a forma de cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente decorrente de doença comum após a Reforma da Previdência de 2019. A decisão é considerada uma das mais sensíveis do sistema previdenciário e poderá corrigir uma distorção que tornou o benefício permanente inferior ao auxílio temporário. Enquanto o auxílio-doença corresponde a 91% do salário de benefício, a aposentadoria por incapacidade por doença comum parte de 60%, com pequenos acréscimos por tempo de contribuição.
Para especialistas, trata-se de um contrassenso que viola a lógica da proteção social. Segundo o advogado João Badari, sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, “pagar menos para quem está mais doente não é apenas um erro de cálculo. É um erro moral. O Supremo tem agora a oportunidade de restabelecer coerência, humanidade e equilíbrio”.
Ele destaca que a origem da incapacidade não deveria definir o valor do benefício, pois o impacto da doença grave é o mesmo, seja ela decorrente de acidente de trabalho ou de causa comum. A discussão no STF ocorre em um contexto em que o acesso à aposentadoria por invalidez enfrenta diversos entraves administrativos.
“O cálculo transformou a aposentadoria por invalidez em uma aposentadoria de miséria. Na prática, isso significa que o trabalhador que ficou inválido pode receber pouco mais da metade do que ganhava em atividade — mesmo sabendo que dependerá do benefício até o fim da vida. Enquanto isso, o auxílio por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença), pago ao trabalhador que ainda pode se recuperar, é calculado em 91% da média dos salários. O resultado é uma distorção evidente: o benefício definitivo, concedido a quem jamais voltará a trabalhar, é menor do que o benefício transitório. Mais do que uma controvérsia técnica, trata-se de uma questão de justiça social”, explica.
Badari alerta que os reflexos do modelo atual são sentidos diretamente no cotidiano desses aposentados. “A situação se reflete em dilemas cotidianos: escolher entre pagar aluguel ou comprar remédios, entre fazer um tratamento essencial ou garantir comida na mesa. Os aposentados por incapacidade permanente não são números em planilhas atuariais. São pessoas que perderam totalmente a capacidade laboral, muitas vezes em razão de doenças degenerativas ou sequelas de acidentes graves. Além de não poderem mais trabalhar, frequentemente precisam de tratamentos contínuos, medicamentos, fisioterapia e cuidadores.”
O advogado Ruslan Stuchi, sócio do escritório Stuchi Advogados, reforça que o modelo atual fere princípios constitucionais. “O sistema afronta a dignidade da pessoa humana e a razoabilidade. Não faz sentido um benefício temporário ser mais vantajoso que o definitivo. O STF tem agora a oportunidade de corrigir esse erro e reafirmar que a Previdência existe para proteger os mais vulneráveis.”
Benefício exige comprovação e laudo
O benefício exige comprovação de incapacidade total e permanente, além de carência mínima de 12 meses, exceto em doenças previstas em lei ou em casos de acidente. Stuchi observa que a perícia médica é etapa decisiva e deve ser solicitada pelo telefone 135 ou pelo aplicativo Meu INSS. “O perito vai analisar sua incapacidade. É essencial levar RG, CPF, comprovante de endereço e laudos atualizados. O importante não é apenas demonstrar a doença, mas deixar claro que, com ela, você não consegue realizar seu trabalho”, afirma.
Em muitos casos, porém, o INSS não concede a aposentadoria, mantendo o segurado em auxílio-doença por longos períodos. Stuchi frisa que isso leva a atrasos injustificados. “O INSS muitas vezes não concede o benefício correto. Em vez da aposentadoria por invalidez, mantém o auxílio-doença por meses, gerando prorrogações inúteis. Em alguns casos, o benefício é até cessado depois de um tempo”, diz.
O especialista observa que, especialmente entre metalúrgicos e outras categorias com alta incidência de fraturas e lesões permanentes, a avaliação deveria ser clara quanto à impossibilidade definitiva de retorno ao trabalho, mas isso nem sempre é reconhecido administrativamente.
Badari também aponta que a avaliação pericial pode ser subjetiva e demorada, contribuindo para a insegurança dos segurados. Diante das dificuldades, cresce a judicialização. Segundo o advogado, muitos segurados precisam recorrer à Justiça quando o INSS concede apenas auxílio-doença em situações que já configuram incapacidade permanente. “Quando o segurado recebe apenas auxílio-doença, mas já deveria ser aposentado por invalidez, ele pode entrar na Justiça pedindo revisão. Se o auxílio for cessado, também pode pedir restabelecimento ou análise conjunta”, explica.
No Judiciário, o perito nomeado pelo juiz reavalia o caso e pode reconhecer o direito ao benefício definitivo. A redação do laudo médico é outro ponto decisivo. Para Stuchi, o laudo deve descrever a incapacidade laboral, e não apenas a doença. “O médico deve deixar claro que, com aquela condição, o trabalhador não consegue continuar em atividade”, afirma.
Outro direito relevante é o aumento de 25% para aposentados por invalidez que dependem de cuidador, previsto no artigo 45 do Regulamento da Previdência Social. Segundo Badari, “se ele precisar de cuidador, seja familiar ou profissional, tem direito ao adicional”. O valor não se incorpora à pensão por morte e, caso negado, pode ser reconhecido judicialmente. Como conclui Badari, a expectativa da sociedade é que o STF corrija uma distorção que atinge justamente quem está em situação mais frágil. Para ele, o julgamento do Tema 1300 é mais do que uma disputa sobre percentuais: representa uma escolha civilizatória por justiça e dignidade aos trabalhadores incapacitados de forma permanente.
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