Segurados Invisíveis: milhões de brasileiros estão fora da Previdência Social
João Badari*
O Brasil convive com um dos maiores desafios sociais e econômicos da atualidade: milhões de trabalhadores seguem à margem da Previdência Social. São os chamados segurados invisíveis, pessoas que mantêm a economia funcionando diariamente, mas permanecem desprotegidas, sem acesso à aposentadoria, auxílio por incapacidade, pensão por morte, salário-maternidade ou qualquer outro benefício previdenciário.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), do IBGE, cerca de 38 milhões de brasileiros estão na informalidade, o que corresponde a quase 40% da população economicamente ativa. Esses cidadãos trabalham sem qualquer vínculo formal, o que significa que não contribuem para o sistema e, portanto, não têm acesso à proteção previdenciária.
A exclusão previdenciária é um problema de múltiplas causas. De um lado, pesa a falta de informação. Milhões de brasileiros não conhecem seus direitos nem sabem como poderiam se integrar ao sistema. De outro, há a precarização crescente das relações de trabalho, marcada pelo avanço de atividades informais, temporárias, intermitentes e por conta própria, muitas vezes sem qualquer contrato, proteção social ou estabilidade. A esse cenário se soma a ausência de uma fiscalização efetiva. Empresas de pequeno e médio porte, principalmente, mantêm trabalhadores sem registro formal, sem que isso seja devidamente coibido pelo Estado. Ao mesmo tempo, as políticas públicas de estímulo à formalização são insuficientes, especialmente quando se observa o universo dos trabalhadores autônomos, rurais e microempreendedores.
O impacto dessa massa de trabalhadores desprotegidos não se limita à esfera individual. Trata-se de um problema estrutural, com repercussões diretas sobre a sustentabilidade da própria Previdência Social e sobre as finanças públicas. Quanto menor a base de contribuintes, maior será a pressão sobre os cofres públicos no futuro. Sem proteção previdenciária, esses trabalhadores terão como única alternativa, na velhice ou diante de situações de incapacidade, recorrer à assistência social, aumentando exponencialmente a demanda por benefícios não contributivos, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), destinado a idosos e pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade. O que hoje aparece como invisibilidade previdenciária, amanhã se traduzirá em custo social elevado, impactando não apenas as contas públicas, mas também a capacidade do Estado de manter seu sistema de seguridade social em equilíbrio.
O enfrentamento desse problema passa, necessariamente, por uma combinação de ações estruturadas e de longo prazo, articuladas entre os diversos níveis de governo e com a participação de órgãos de controle, além da própria sociedade civil. É urgente que o Estado promova campanhas massivas de educação previdenciária, com linguagem acessível, capazes de atingir trabalhadores informais, autônomos e microempreendedores em todo o país. Informar é o primeiro passo para combater a exclusão. Ao mesmo tempo, é indispensável criar estímulos concretos à formalização. Isso passa por mecanismos de redução temporária de encargos, facilitação no processo de regularização de vínculos de trabalho e simplificação do recolhimento de contribuições por conta própria, especialmente por meio de plataformas digitais mais intuitivas e acessíveis.
Também será necessário fortalecer significativamente a fiscalização. A informalidade não pode continuar sendo tratada apenas como um problema social; ela representa uma distorção econômica que prejudica a arrecadação, compromete o equilíbrio do sistema previdenciário e gera concorrência desleal no mercado. Isso demanda ampliação dos quadros da Receita Federal e da Inspeção do Trabalho, além do uso intensivo de tecnologias de cruzamento de dados para identificação de empresas que descumprem a legislação trabalhista e previdenciária.
Outro gargalo evidente é a interiorização dos serviços. Grande parte dos trabalhadores invisíveis está em áreas rurais, comunidades tradicionais e regiões onde não há agências do INSS ou acesso adequado à internet. Levar a Previdência até esses cidadãos, seja por meio de unidades móveis, convênios com prefeituras ou ampliação dos serviços digitais com suporte presencial, é medida indispensável para enfrentar a exclusão.
Por fim, é inevitável discutir uma revisão nas regras atuais de inclusão. O modelo previdenciário brasileiro ainda reflete um país baseado no emprego formal e no contrato de trabalho tradicional, realidade que já não corresponde à dinâmica do mercado de trabalho atual. É preciso adaptar alíquotas, criar faixas de contribuição mais acessíveis e permitir que trabalhadores de baixa renda ingressem no sistema, mesmo com valores reduzidos, sem que isso signifique perder o acesso aos benefícios no futuro.
A luta contra a invisibilidade previdenciária não é uma tarefa de um governo, de um partido ou de uma administração isolada. Trata-se de uma missão de Estado, que exige planejamento, continuidade, articulação entre os Três Poderes e engajamento da sociedade civil. Cada trabalhador invisível representa uma vida sem proteção, uma família em risco e um futuro que, se não for cuidado desde já, se transformará em um problema social ainda maior nas próximas décadas. O tempo para agir é agora.
*João Badari é advogado especializado em Direito Previdenciário e sócio do Aith, Badari e Luchin Advogados
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