Compreendendo os descontos de mensalidades associativas nos benefícios pagos pelo INSS

 
Marco Aurélio Serau Junior*
 
Nas últimas semanas foi objeto de cobertura jornalística o escândalo das fraudes nos descontos de mensalidades associativas incidentes sobre benefícios previdenciários pagos pelo INSS, cujo alcance atinge bilhões de reais e aponta para envolvimento de autoridades de alto escalão na hierarquia administrativa do INSS, já em prática ao longo de alguns anos.
 
Neste artigo, não nos envolveremos na polêmica policial, ainda objeto de apuração pelas autoridades competentes e que deve ser objeto de investigação sob o devido crivo do contraditório e da ampla defesa.
Até mesmo a título de esclarecimento ao público em geral, vamos nos deter sobre os contornos pelos quais é possível a realização desses descontos sobre benefícios previdenciários.
 
Eventuais prejuízos sofridos pelos aposentados, com a configuração de danos materiais e morais, poderão ser discutidos, anulados e compensados judicialmente, trâmite que tratamos do ponto de vista prático em nossa obra 
 
Os benefícios previdenciários, sobretudo as aposentadorias e pensões, são prestações pecuniárias substitutivas da renda das pessoas e das famílias, pagos pelo INSS quando presentes os requisitos para concessão e implementação dos diversos benefícios previstos pela legislação previdenciária.
 
Nesse sentido, portanto, frisamos que os benefícios previdenciários possuem natureza alimentar, ligada à subsistência, e por isso são a princípio intangíveis, isto é, não serão objeto de descontos ou penhoras, o que só ocorrerá excepcionalmente e sempre mediante previsão legal expressa.
Assim que se compreende o art. 115, inciso V, da Lei 8.213/1991:
 
Art. 115.  Podem ser descontados dos benefícios:
V - mensalidades de associações e demais entidades de aposentados legalmente reconhecidas, desde que autorizadas por seus filiados.
 
Os aposentados podem se associar coletivamente, seja a partir dos sindicatos que representam suas antigas categorias profissionais, seja através de associações de aposentados e pensionistas, com representação desses interesses específicos, sendo costumeiro abranger também convênios, planos médicos e odontológicos, de assessoria jurídica, etc.
 
A possibilidade de associação de aposentados e pensionistas não é, por si só, negativa. Ao contrário, permite algumas vantagens aos beneficiários do INSS, a exemplo dos referidos convênios na área jurídica ou de saúde. O ponto crítico reside, unicamente, na gravidade e amplitude da fraude praticada contra os beneficiários do INSS, com ampla participação de autoridades administrativas, conforme relatado pela imprensa.
 
A legislação previdenciária prevê algumas medidas protetivas aos segurados. O art. 116, da Lei 8.213/1991, por exemplo, estabelece que “será fornecido ao beneficiário demonstrativo minucioso das importâncias pagas, discriminando-se o valor da mensalidade, as diferenças eventualmente pagas com o período a que se referem e os descontos efetuados”.
 
Essa medida é importante, pois facilita aos aposentados o controle do quanto efetivamente recebem mensalmente, permitindo também que busquem orientação de advogados e advogadas especializados na área previdenciária, evitando abusos e equívocos nestes pagamentos.
 
Originariamente, a autorização para o desconto das mensalidades associativas deveria ser renovada anualmente (conforme Medida Provisória 871/2019); depois, com a Lei 14.131/2021, a autorização de desconto deveria ser revalidada a cada período de três anos, prorrogáveis por mais 1 ano. Por fim, com a alteração promovida pela Lei 14.438/2022, deixou-se de exigir a revalidação periódica para os tais descontos de mensalidades de associações de aposentados.
 
Consideramos que esta alteração legal, que dispensou a renovação periódica da autorização para os descontos das mensalidades associativas, é um dos estopins ou “facilitador” da fraude massiva noticiada recentemente, pois o aposentado, geralmente em uma situação de vulnerabilidade informacional, nem sempre acompanha adequadamente o que ocorre com seu benefício previdenciário.
 
Porém, além da frágil sistemática propiciada pelas recentes alterações legislativas, considere-se também o noticiado envolvimento de autoridades administrativas do INSS nesse esquema fraudulento, já sob a devida apuração policial.
 
*Marco Aurélio Serau Junior é Doutor e Mestre em Direitos Humanos. Diretor Científico-Adjunto do IBDP. Professor da UFPR e membro do Conselho Editorial de diversas revistas jurídicas. Autor.
 


Vídeos

Apoiadores