Terceirização total das atividades deve atingir Previdência Social

 
Caio Prates, do Portal Previdência Total
 
A regulamentação terceirização sancionada pelo presidente Michel Temer trará um novo caminho para as relações trabalhistas. Pela nova lei está liberada a terceirização de todas as atividades das empresas brasileiras, inclusive a atividade-fim, ou seja, a atividade principal. Na visão de especialistas, caso a terceirização total entre em vigor deverão aumentar os casos de precarização do trabalho e, consequentemente, o volume de acidentes de trabalho; o número de auxílios-doença e o uso do dinheiro dos cofres da Previdência Social.
 
O advogado João Gabriel Lopes, sócio do escritório Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados, aponta que com a permissão para terceirização de qualquer atividade aumentarão os riscos aos direitos e a saúde do trabalhador. Ele também alerta para a precarização e do aumento das demandas no Judiciário. “Na maior parte das reclamações trabalhistas, os funcionários pleiteiam verbas salariais que não são pagas ou outras obrigações legais elementares como FGTS não indenizado. Ou seja: as empresas falham em suas obrigações mínimas. A grande dificuldade, com a terceirização, é no cumprimento dessas obrigações. Não é raro que empresas de fachada ou com péssimas condições financeiras terceirizem serviços e fechem da noite para o dia, deixando os empregados completamente desassistidos”.
 
Segundo Lopes, os riscos são inúmeros. “Os salários dos terceirizados são, em média, 27% menores que os de trabalhadores efetivos. Impulsionam-se as desigualdades de gênero e raça no mercado de trabalho, rompendo-se com elementos de igualdade consolidados pela Constituição de 1988, já que trabalhadores que desempenham as mesmas funções em um mesmo estabelecimento poderão passar a ser contratados por empresas diferentes, dificultando-se o reconhecimento das equiparações necessárias”, aponta.  
 
Acidente de trabalho
 
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelam que os empregados terceirizados recebem salário aproximadamente 27% inferiores que os contratados diretamente, além de trabalharem um número maior de horas diárias. “Portanto, com mais possibilidade de sofrer acidentes. Em um país que já é campeão mundial em acidentes de trabalho”, alerta o doutor em Direito do Trabalho e professor da pós-graduação da PUC-SP Ricardo Pereira de Freitas Guimarães.
 
Segundo Leonardo Amarante, advogado especialista em responsabilidade civil, não é apenas a flexibilização do vínculo trabalhista que está em jogo, mas também mudanças em caso de acidentes de trabalho, do princípio de solidariedade – em vigor – para o regime de responsabilidade subsidiária, criando problemas para o pagamento de indenização caso ocorram acidentes.
 
“Em um país como o Brasil, campeão mundial de acidentes de trabalho e onde a Justiça é lenta, a terceirização pode dificultar muito o pagamento de indenizações. Hoje, a legislação garante ao trabalhador acionar na Justiça a empresa terceirizada e, ao mesmo tempo, a empresa tomadora do serviço. Com as novas regras aprovadas pela Câmara dos Deputados, o trabalhador só poderá acionar judicialmente a empresa terceirizada. Apenas se a terceirizada não tiver recursos para arcar com a indenização é que será possível, em princípio, demandar a empresa tomadora do serviço”, explica.
 
Na visão de Amarante, a ideia da proposta aprovada é a de evitar, ou pelo menos dificultar que grandes empresas tomadoras de serviço sejam condenadas. “Na prática, isso significa que o trabalhador que sofreu algum acidente de trabalho terá um caminho mais longo a percorrer em busca de seus direitos”, observa.
 
Direitos previdenciários preservados
 
João Badari, advogado de Direito Previdenciário e sócio do Aith, Badari e Luchin Advogados, afirma que se a regulamentação da terceirização irrestrita for sancionada por Temer, o empregador – empresa que presta o serviço de terceirização – deverá recolher, normalmente, a contribuição previdenciária do funcionário terceirizado. “A grande questão é que nas empresas terceirizadas existe uma alta rotatividade de trabalhadores. Assim, em 12 meses o funcionário contribui sobre sete salários e com base em remunerações 27% menores. Esses trabalhadores, após a aprovação da lei, terão os mesmos direitos e acesso aos benefícios como auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez, aposentadoria especial, entre outros”, diz.
 
O professor e autor de obras de Direito Previdenciário Wladimir Novaes Martinez alerta que os terceirizados terão direito aos mesmos benefícios previdenciários. “ O terceirizado é vinculado a uma empresa e ela deve reter e recolher as contribuições do trabalhador, além da parte patronal, ao INSS. Esse trabalhador tem direito a todas as prestações cujos requisitos legais preencherem. É possível que seja mais difícil a obtenção da aposentadoria especial, dada a natureza das suas tarefas junto do tomador da mão de obra”.
 
Badari defende, entretanto, que o Governo Federal crie regras para uma fiscalização mais rígida para as empresas que contratarão trabalhadores terceirizados. “Isso se mostra importante para manter a Previdência estável e também assegurar aos seus funcionários um benefício previdenciário digno no momento de sua aposentação ou eventualidade, como um auxílio-doença ou salário maternidade, por exemplo. O governo deverá atentar para o impacto que a alta rotatividade dos trabalhadores provocará nas finanças públicas no pagamento do seguro-desemprego. Em razão da alta rotatividade termina-se elevando o número de beneficiários do seguro-desemprego”.
 
Queda na arrecadação da Previdência
 
Os especialistas acreditam também que a terceirização terá impacto direito na arrecadação da Previdência Social. “Em razão dos menores salários, da rotatividade elevada nas empresas e aumento da informalidade, a terceirização refletirá na redução na arrecadação do sistema previdenciário”, aposta Badari.
 
Outro ponto relevante, de acordo com o professor e autor de obras em Direito Previdenciário Marco Aurélio Serau Júnior é que as empresas que são gestoras da mão de obra de trabalhadores terceirizados, em muitos casos, são dissolvidas sem arcar com suas dívidas trabalhistas e previdenciárias. “O que aumenta o risco de queda na arrecadação da Previdência Social, pois com esta nova regulamentação será estimulada a contratação de terceirizados e, consequentemente, o número de terceirizados. Assim como é difícil conseguir cobrar está dívida de empresas que são dissolvidas, naturalmente aumentará o risco da queda da arrecadação das contribuições previdenciárias”, alerta
 
Serau entende que a aprovação da regulamentação com o texto atual deverá gerar “redução salarial e déficit ainda maior da Previdência brasileira”. 
 
Para a advogada das áreas trabalhista e previdenciária Lariane Rogéria Pinto Del-Vechio os direitos dos trabalhadores, assim como nas demais áreas do direito, devem-se adaptar à realidade social. “Porém, é preciso preservar os direitos sociais dos trabalhadores e ainda o modelo econômico capitalista em que vivemos. No Brasil, acredito que antes de falarmos em uma reforma trabalhista ou reforma previdenciária é preciso falar em uma reforma tributária. A flexibilização de direitos surge como forma de minimizar as crises econômicas, culturais e principalmente políticas; no entanto, é necessário rever a carga tributária que onera trabalhador e empresário tais como imposto de renda retido na fonte, que chega em 27,5%, e demais contribuições sociais”, aponta.


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