TJ-SP decide contra interpretação atual do STJ para surdez unilateral

A Justiça paulista negou recurso à prefeitura de Embu das Artes contra sentença que concedeu a um candidato o direito reinserção de seu nome na lista de classificação de pessoas portadoras de necessidades especiais no concurso público realizado pelo município. A decisão é da 2ª Câmara de Direito Público, com voto do desembargador José Luiz Germano.

A alegação da prefeitura era de que a sentença deveria ser reformada porque o candidato foi excluído da lista de classificação especial por estar fora dos patamares legais para que fosse considerado deficiente auditivo, de acordo com a Lei 7.853/89 e o Decreto nº 5.296/2004.

De acordo com a corte paulista, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem decidindo que a surdez unilateral não impede o reconhecimento do caráter de portador de necessidades especiais, uma vez que o artigo 4º, II, do Decreto 3.298/99, que define as hipóteses de deficiência auditiva, deve ser interpretado em consonância com o art. 3º do mesmo diploma legal, de modo a não excluir os portadores de surdez unilateral da disputa às vagas destinadas aos portadores de deficiência física.

No entanto, em decisão recente, o STJ decidiu que a surdez unilateral não é deficiência auditiva para casos de concurso público. De acordo com a corte, o tipo não se enquadra nas situações descritas no artigo 4º do Decreto 3.298/99, que apenas indica como deficiente auditiva a pessoa com perda bilateral igual ou superior a 41 decibéis. A conclusão é da Corte Especial do STJ.

No caso julgado, uma candidata ao cargo de analista judiciário ingressou com Mandado de Segurança contra ato do presidente do STJ e do diretor-geral do Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (Cespe/UNB), que lhe negou a condição de deficiente no concurso público feito em 2012.

Com surdez unilateral de grau profundo (anacusia) no ouvido esquerdo, ela alegou que sua deficiência foi comprovada por três laudos médicos particulares e pela própria junta médica do concurso. Sustentou que seria ilegal a norma prevista no artigo 4º, II, do Decreto 3.298, que restringe o conceito de deficiência à perda auditiva bilateral.

No mandado de segurança, a candidata citou a existência de jurisprudência a seu favor e requereu, liminarmente, que lhe fosse reservada vaga no cargo pleiteado, observada a nova ordem de classificação dos aprovados. O pedido de liminar foi negado em decisão monocrática do relator, ministro Castro Meira (recentemente aposentado), que não reconheceu o risco iminente de dano irreparável para a candidata.

Ao indeferir a liminar, o ministro ressaltou que, não via a necessidade do deferimento da medida acauteladora, “precisamente porque o resultado do concurso já foi homologado e a impetrante não alcançou pontuação que lhe assegurasse o chamamento imediato”.

O julgamento do mérito foi levado à Corte Especial. Citando vários precedentes do STJ que aceitam a surdez unilateral como espécie de deficiência, Castro Meira sustentou que o Decreto 3.298, com a redação dada pelo Decreto 5.296/04, ampara a interpretação de que a candidata deve ser alocada na lista classificatória de deficientes.

No entender do relator, os artigos 3º e 4º, II, precisam ser lidos em interpretação sistemática que se sobreporia ao entendimento da junta médica e à disposição do edital, que transcreve a nova redação do artigo 4º, II, do Decreto 3.298. Seu entendimento pela concessão da segurança foi acompanhado pelos ministros Arnaldo Esteves Lima, Luis Felipe Salomão e Laurita Vaz.

Divergência

Ao abrir a divergência, o ministro Humberto Martins disse que, ao contrário do afirmado pela candidata, o laudo da junta médica do concurso descaracterizou sua situação como deficiência. Ele explicou que divergia do relator com base em precedente do Supremo Tribunal Federal, por três argumentos: a nova redação do Decreto 3.298, que prevê apenas a surdez bilateral como deficiência auditiva; o estrito cumprimento do edital, que reproduz o decreto; e a necessidade de dilação probatória.

Sobre o primeiro argumento, Humberto Martins sustentou que o Decreto 3.298 foi alterado pelo Decreto 5.296 para restringir o conceito de deficiente auditivo, tornando impossível menosprezar o fato normativo para fazer interpretação sistemática que objetive negar a alteração legal. “No cerne, a nova redação consignou que não poderia ser considerado deficiente aquele que tivesse perda auditiva entre 15 e 40 decibéis, como ocorria antes”, enfatizou.

Quanto ao segundo argumento, o ministro ressaltou que o edital incorporou estritamente a nova redação do decreto, restringindo o conceito de deficiência auditiva. Para ele, a junta médica, após o exame de audiometria, apenas aplicou o dispositivo do edital, idêntico à norma jurídica do decreto.

O terceiro argumento consignado por Humberto Martins para negar a segurança foi a exigência de dilação probatória, pois o Mandado de Segurança atacou entendimento fundado em laudo lastreado em exames médicos. Seu voto foi seguido por mais cinco ministros: Mauro Campbell Marques, Herman Benjamin, Sidnei Beneti, João Otávio de Noronha e Raul Araújo

 



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