Reforma trabalhista completa cinco anos de flexibilizações nas relações, mas com desafios

 
Caio Prates, do Portal Previdência Total
 
A reforma trabalhista, que completou seu quinto ano no último dia 11 de novembro, trouxe modificações e flexibilizações nas relações de trabalho, mas não confirmou o propósito de geração de empregos. A vitória nas urnas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que assumirá à Presidência da República em janeiro, significa que partes da legislação atual trabalhista devem sofrer mudanças significativas. Para especialistas, as relações do trabalho são um dos grandes desafios do próximo Governo Federal. O combate da informalidade e o futuro dos trabalhadores que prestam serviços para aplicativos estão entre os principais centros de discussão com Congresso Nacional e com a sociedade.
 
A reforma trabalhista alterou mais de 100 itens da Consolidação das Leia Trabalhistas (CLT) e flexibilizou uma série de direitos dos empregados no país. Entre as principais alterações estão: a criação do contrato intermitente, a introdução da ideia de negociado prevalecendo sobre o legislado, a ampliação da jornada de trabalho parcial, a ampliação da terceirização para as atividades-fim e não somente nas atividades-meio e a regulamentação do teletrabalho.
 
 
Na visão da advogada Cíntia Fernandes, advogada especialista em Direito do Trabalho e sócia do escritório Mauro Menezes & Advogados, o quinto ano após a reforma confirma a precarização das relações de trabalho e um crescimento constante do trabalho informal.
 
"Foram muitas as alterações na CLT, em que uma maior parte suprimem direitos trabalhistas conquistados ao longo dos anos, a exemplo do acesso à Justiça, mitigado com as novas normas sobre sucumbência. De fato, verifica-se que, nesses últimos cinco anos, houve redução do ajuizamento de reclamações trabalhistas, mas isso não significa um maior cumprimento contratual pelos empregadores. A realidade tem demonstrado que muitos trabalhadores mesmo lesados em seus direitos, com argumentos e provas que amparam essa pretensão, sentem-se inibidos na propositura de ação judicial após a mudança de 2017, diante do ônus de sucumbência imposto ao trabalhador.  Outro exemplo se refere à tarifação da indenização por danos morais, em que o ser humano é tabelado.  Os artigos inseridos pela reforma sobre esse tema afrontam os princípios da reparação integral do dano, da isonomia e da dignidade da pessoa humana, ao obstarem a correta valoração do dano pelo julgador interferindo no exercício da jurisdição e ao precificarem o dano sofrido pelo trabalhador de acordo com a remuneração por ele recebida", explica.
 
 
Para a advogada especialista em Direito do Trabalho Lariane Del Vecchio, do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, a reforma, após cinco anos, também incentivou a informalidade e não significou um aumento real no número de empregos no país “A ideia da reforma era modernização, flexibilização e geração de empregos. Ela não trouxe os avanços esperados e após um período de pandemia, temos uma precarização das relações de emprego. Assim, aumentaram a informalidade e a falsa pejotização. E não aumentou rendimento de empresas e empregadores”, observa.
 
Já para o doutor em Direito do Trabalho, Eduardo Pragmácio Filho, sócio do Furtado Pragmácio Advogados, a reformas de 2017 foi importante para atualizar a legislação trabalhista em vários aspectos. " Trouxe a modernização, tanto no aspecto material quanto no processual, valorizando a negociação coletiva, acolhendo a terceirização, criando novos tipos de contratos, como o teletrabalho e o intermitente. A reforma também abriu as portas para outras modalidades de solução de conflitos, prevendo a arbitragem e autorizando o acordo extrajudicial", frisa.
 
Pragmácio Filho ressalta que a reforma era necessária, pois a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) irá completar 80 anos em 2023. "Esse movimento reformador de 2017, em alguma medida, foi uma resposta do legislador à jurisprudência que havia se consolidado no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Basta observar que muitos textos da lei agora contrariam frontalmente enunciados de Súmulas do TST. Essa modernização era, e ainda é, necessária. As bases políticas, econômicas e sociais de quando foi criada a CLT são completamente diferentes da atual. Hoje vivenciamos um estado democrático de direito, em uma economia globalizada e altamente conectada, urbanizada e tecnológica. É necessário um update da legislação trabalhista. Apesar da polêmica de que a reforma não teria sido debatida e negociada com empresários e trabalhadores, em uma autêntica concertação social. E o grande legado mesmo, ao meu ver, foi a valorização da negociação coletiva e a clareza do papel e das relações entre o negociado e o legislado", pontua.
 
Uberização 
 
E na esteira de mudanças das relações trabalhistas e da revolução digital, intensificada no período da pandemia, surgiu um novo fenômeno batizado como uberização. Trata-se de um modelo de trabalho que prevê um estilo mais informal, flexível e por demanda, vinculado, principalmente aos aplicativos de entregas e de transporte. Modelo de trabalho que foi potencializado pela pandemia da Covid-19.
 
O advogado Ruslan Stuchi, sócio do Stuchi Advogados, ressalta que essa nova relação de trabalho aconteceu de uma maneira natural em um cenário econômico difícil, não só do Brasil, mas do mundo. “Há um grande aumento na automação e na inteligência artificial, que cuida das tarefas repetitivas. Isso faz com que aumente uma demanda por um novo tipo de trabalho, onde as próprias pessoas querem ter uma nova rotina, com autonomia nas tarefas e a possibilidade de optar quando querem trabalhar e para quem querem trabalhar”, explica.
 
Entretanto, segundo Stuchi, esse novo modelo traz alguns desafios e problemas na questão dos direitos trabalhistas, pois esses trabalhadores, atualmente não possuem, por exemplo, salário fixo, nenhum tipo de estabilidade ou benefício em caso de acidente de trabalho, nenhuma garantia trabalhista estabelecida pela CLT, remuneração por extra, ou seja, nenhuma segurança jurídica.
 
Lariane acredita serem necessárias mudanças para a proteção de novos tipos de trabalhadores. "A uberização é reflexo do aumento de desemprego. é preciso que os legisladores estejam atentos a este tipo de trabalho para que possa garantir direitos constitucionais mínimos para os trabalhadores e dignidade. Mudanças são necessárias para que discipline e proteja os novos modelos de contrato de trabalho", aponta.
 
Já na visão do advogado Ricardo Pereira de Freitas Guimarães, doutor em Direito do Trabalho e professor da Pós-graduação da PUC-SP. aparentemente, seria um equívoco muito grande tentar regulamentar a relação de trabalhadores de aplicativo como de emprego, "tendo em vista que os elementos próprios da relação de emprego contidos na CLT, e já interpretados claramente pela doutrina, afastam em tese a relação de emprego na origem industrial".
 
Freitas Guimarães defende que é necessário criar critérios mínimos de segurança na relação entre partes bem como de sustentabilidade social presente e futura. "Ou seja, de recolhimentos ao INSS. Nesses aspectos, apenas a título de exemplo, os entregadores de moto, independente do número de dias de trabalho prestado, um, dois ou vinte dias, a empresa deveria ser a responsável tributária pelo recolhimento dos valores ao INSS. Além disso, seria importante ter um seguro contra acidentes por conta da empresa, valor mínimo por quilômetro rodado e limitação no sistema de número de horas de trabalho por dia", avalia.
 
De acordo com Cíntia Fernandes, a uberização é uma das consequências decorrentes da reforma trabalhista e do aumento da informalidade. "Os trabalhadores de aplicativos estão envoltos de uma aparência de autonomia em patente contradição com uma realidade de subordinação e hipossuficiência. Além disso, a condição de vulnerabilidade desses trabalhadores não permite que a relação seja isonômica, principalmente ao considerar a situação de dependência do trabalhador para o fim de sobrevivência. Trata-se de uma resposta ao desemprego mediante trabalho em condições precárias e com a supressão de direito, por meio de uma falsa premissa de trabalho autônomo, que viabiliza a exploração por meio de jornadas de trabalho extenuantes, baixos salários e desamparo legal", contempla a especialista.
 
Mudanças e desafios
 
Ricardo Pereira de Freitas Guimarães destaca também que, entre as possíveis mudanças a serem discutidas a partir de janeiro do ano que vem, está o retorno da contribuição sindical. "É possível sim que se retome o assunto contribuição sindical, contudo, de nada adianta o retorno de referida contribuição se os sindicatos não voltarem sua atenção para realização das negociações coletivas pensando na categoria, e só na categoria. Antes mesmo da retirada da contribuição sindical, o que infelizmente se observou foi um total afastamento do sindicato das negociações coletivas, com simples repetição de textos anteriores ou inserção do que já possui previsão legal. Aqui nos parece importante uma retomada dos sindicatos do seu próprio foco", diz.
 
O doutor em Direito do Trabalho, Eduardo Pragmácio Filho, destaca que o grande desafio é a inclusão. "É preciso um olhar diferenciado para aqueles que não tem acesso ao mercado formal de trabalho. E uma das saídas é a formação profissional, que deve ocorrer ao longo da vida, e não simplesmente somente para os jovens. Temos que ter uma legislação trabalhista que preveja o impacto da tecnologia nas relações de trabalho, mas sempre conciliando os direitos fundamentais dos trabalhadores com a livre iniciativa da empresa, valorizando a negociação coletiva. Tudo o que é velho um dia já foi novo. A legislação trabalhista precisa de atualização, para acompanhar as cada vez mais rápidas mudanças no mercado, de forma a equilibrar capital e trabalho, fomentando o trabalho decente e a empregabilidade, de forma negociada e transparente", observa.
 
O especialista também defende que é necessária uma nova reforma trabalhista. "Começando pela reforma sindical, acolhendo a plena liberdade preconizada na Convenção 87 da OIT, acabando com a unicidade e a organização por categoria. Defendo também que essa reforma deva ter ampla divulgação e debate, em nível nacional, constituindo-se como uma autêntica concertação social, um grande pacto tripartite, entre empresários, trabalhadores e governo, por meio de suas multifacetárias representações. Essa ampla reforma iria criar um Código do Trabalho, fazer a reforma sindical e estabelecer um rito processual trabalhista. A questão é sempre estar evoluindo para aperfeiçoar o sistema, em diálogo social, franco e com boa-fé", conclui.


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