A revisão dos benefícios da aposentadoria por invalidez permanente

 
José Ricardo Costa*
 
A reforma previdenciária trazida no apagar das luzes de 2019, por meio da conversão da PEC n. 06/2019 na EC n. 103 do mesmo ano, aos poucos vai mostrando suas maldades e perversidades, típicas do “Estado de Mal-Estar” que vimos denunciando.  Estas maldades somente são conhecidas, paulatinamente, quando justamente a população mais vulnerável e hipossuficiente busca seus benefícios e “descobre” o que foi feito. 
 
O caso da renda da aposentadoria por invalidez (atual incapacidade permanente) de origem não acidentária beira ao surrealismo: o valor dos benefícios por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença) será superior aos benefícios por incapacidade permanente (extinta aposentadoria por invalidez). Provavelmente seremos o único sistema protetivo do mundo em que os segurados preferirão permanecer com seus benefícios temporários, rechaçando os permanentes porque terão seus proventos diminuídos. 
 
Essa sistemática perversa e totalmente inadequada, sob o ponto de vista da proteção social securitária justamente quando do adoecimento ou perda da saúde, ocorre a partir da EC n. 103 devido a redação de seu art. 26, cujo § 2º  assim dispôs: “O valor do benefício de aposentadoria corresponderá a 60% (sessenta por cento) da média aritmética definida na forma prevista no caput e no § 1º, com acréscimo de 2 (dois) pontos percentuais para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 (vinte) anos de contribuição...”
 
Podemos imaginar os casos concretos a partir da seguinte hipótese: um segurado adoece com 50 anos de idade e tendo 30 anos de contribuição. Por esta regra desprotetiva, passara a receber 80% dos salários-de-contribuição, enquanto no benefício temporário percebia 91%. 
 
Frise-se, por necessário, que é justamente no momento do agravamento das patologias e da perda da capacidade laboral que os segurados mais possuem gastos com medicamentos, médicos, exames etc. A equação desprotetiva está lançada, vez que no momento em que mais necessitaria destes valores contribuídos para bancar, pelo menos parcialmente, todos estes dispêndios. 
 
Buscando reparar este grave prejuízo aos segurados e seguradas do sistema previdenciário, a TNU ordenou a aplicação do percentual dos 100%, tal como ocorre nos benefícios por incapacidade permanente de origem acidentária. Vejamos a Ementa desta importante decisão:
 
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE. DISCRIMINAÇÃO ENTRE OS COEFICIENTES DA ACIDENTÁRIA E DA NÃO ACIDENTÁRIA. CÁLCULO DA RENDA MENSAL INICIAL. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 26, § 2º, III, DA EC N.º 103/2019. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ISONOMIA, DA RAZOABILIDADE E DA IRREDUTIBILIDADE DO VALOR DOS BENEFÍCIOS E DA PROIBIÇÃO DA PROTEÇÃO DEFICIENTE. ( 5003241-81.2021.4.04.7122, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO, Relator DANIEL MACHADO DA ROCHA, juntado aos autos em 12/03/2022)
 
Vejamos que o julgado utiliza um princípio pouco conhecido e explorado em nosso sistema previdenciário. Trata-se do “princípio da proteção deficiente” ou, como preferimos, “princípio da proteção insuficiente” (untermassverbot). Como observa o mestre José Antonio Savaris, em distante julgado de 25/08/2015 (TRF4 0002671-22.2015.4.04.0000), “O princípio da proibição de proteção insuficiente assegura que o direito fundamental social prestacional não pode ser iludido pelo Poder Público, quer mediante a omissão do dever de implementar as políticas públicas necessárias à satisfação desses direitos, quer mediante a adoção de política pública inadequada ou insuficiente.”
 
A TNU, louvada neste princípio, restabelece um direito basilar aos jubilados por incapacidade: o de terem devolvidos em forma de benefício os 100% do salário de benefício.
 
É de se esperar que o Judiciário suplante as omissões e os descasos do Executivo e Legislativo, especialmente quando está em jogo o direito de subsistência destes. 
 
Precisamos, para além disso, resgatar o histórico protetivo da Previdência que insiste e deve ser “Social”.  Bom exemplo nos trouxe a LOPS de 1960 quando, ao tratar da aposentadoria por invalidez nos legou algumas regras fundamentais que não podem retroceder pelas políticas estatais: a) enquanto no auxílio-doença o percentual era de 70% do salário benefício, acrescido de 1% por ano após os 24 meses contributivos, podendo alcançar os 90%, nas aposentadorias por invalidez a sistemática era a mesma, mas podia chegar até os 100% ; b) o prazo máximo em gozo de um benefício temporário de auxílio-doença era de 24 meses. Tinha na época uma “alta-programada” do bem, em prol dos segurados: após este prazo, se o sistema não o reabilitasse/habilitasse, o benefício era convertido automaticamente em aposentadoria por invalidez; c) caso os exames demorassem mais de 15 dias, a depender do sistema público de saúde (hoje SUS), o benefício era pago pela metade do valor, evitando que os segurados caíssem na armadilha do limbo “previdenciário-trabalhista”, um nó górdio nos dias atuais.
 
O importante e histórico julgado da TNU, por sua vez, abre aos aposentados por invalidez ou incapacidade permanente uma possibilidade importante para as revisões dos benefícios de origem não acidentárias. Importante fazer valer estes direitos, sob pena de a injustiça prevalecer e o Estado Malfeitor entender que não há limites para seus propósitos.
 
*José Ricardo Costa é professor de Direito da FADIR/FURG, doutor em Serviço Social pela PUC/RS e advogado previdenciarista.
 


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