Os ardilosos dados trazidos pelo INSS na Revisão da Vida Toda

 
João Badari*
 
A Revisão da Vida Toda é uma ação de exceção, onde o próprio INSS afirmou no processo que está tramitando no Supremo Tribunal Federal que ela beneficiaria 31,28% dos aposentados e pensionistas que se aposentaram após março de 2012 até 13 de novembro de 2019. E o órgão previdenciário vai além, pois supõe que no máximo um em cada dois aposentados que teria direito a ação, ajuizaria o processo. 
 
O INSS juntou estas provas no processo, após a elaboração de Nota Técnica pelo Ministério da Economia (NT SEI 4921/2020/ME), com a análise de 108.396 registros aleatórios obtidos pelo sistema Dataprev. E informou no processo que o custo da ação seria de R$ 46 bilhões.
 
Isso são informações levadas pelo próprio INSS para o STF. Entretanto, o instituto está utilizando uma manobra rasteira na manipulação da opinião pública. Desta vez utilizaram a mídia e até mesmo levaram informações equivocadas para o Presidente Jair Bolsonaro, que afirmou para a imprensa que “a revisão ia quebrar o Brasil”. 
 
Este instrumento é a Nota Técnica nº 12/2022 DIRBEN INSS de 04 de março de 2022, a famosa “Nota dos R$ 360 bilhões”. 
 
O Ministro Nunes Marques em seu voto divergente afirmou “excepcionalmente, aqui e ali, haverá um trabalhador que teve altos salários e depois caiu no fim da carreira. Mas isso é raro. O normal é que o trabalhador tenha maiores remunerações quando está mais velho e com mais tempo de serviço”. 
 
Ou seja, até mesmo o voto divergente, que foi de acordo com o INSS, atesta que é uma ação de exceção, rara em suas palavras. Observem a clara fuga da realidade na busca de manipular os dados e inflarem os números: a Previdência paga hoje 36 milhões de benefícios, sendo estes anteriores ou não a 1999, sendo benefícios de trabalhadores rurais que se aposentaram sem contribuições, benefícios assistenciais, salário maternidade, dentre outros, que não são cabíveis de revisão. Mas ele não diz que a revisão, de exceção, se aplica para todos, ele vai além, afirma que cabe para quase 52 milhões de benefícios. 
 
Isso é subestimar os ministros e ministras do STF, o presidente, a mídia e a sociedade. Tive acesso a nota técnica e vale detalhar os seus equívocos e fugas da realidade fática da ação. 
 
Não irei trazer um valor preciso do custo da ação, mas por meio dos dois documentos que o INSS trouxe ao processo, e este posterior que ele levou para a mídia, irei comprovar que o valor é de pelo menos 20 vezes menor. 
 
O INSS alegou no processo que o custo seria de R$ 46,4 bilhões em 10 anos, e nesta nova Nota (que não está no processo) o custo é de R$ 360 bilhões em 15 anos, para isso afirmou que a revisão seria pleiteada por 51.900.451 beneficiários. Para chegar neste número ele utilizou 36.952.754 benefícios que estão cessados, e portanto, não poderão entrar nesta conta, pois não estão ativos. E também utilizou mais 60.487 benefícios que estão suspensos, e não deveriam também estar nesta conta.
 
Isso se mostra uma maneira clara de inflar os números, você alega que cabe revisão até mesmo para quem não recebe benefício. Após desconsiderarmos, por razões óbvias, os benefícios cessados e suspensos, chegamos a um número de 14.887.210 benefícios ativos concedidos após o ano de 1999. 
 
Deste número precisaremos excluir: 
 
- Todas as concessões anteriores a março de 2012, em razão do prazo decadencial previsto no artigo 103 da Lei 8.213/1991, que é de 10 anos. Este também é o item 4 da NT SEI 4921/2020/ME; 
 
- As aposentadorias rurais por idade do segurado especial que nunca contribuiu ao INSS, pois elas não serão revisadas; 
 
- As pensões por morte concedidas após março de 2012, onde o benefício originário (aposentadoria do falecido) foi concedido antes desta data, pois neste caso o entendimento jurisprudencial (EResp 1605554) é de que a decadência não começará a correr após a concessão da pensão, e sim da concessão do benefício originário; 
 
- Os casos em que o segurado já recebe o teto da Previdência Social, pois mesmo se lhe couber a revisão, ela não o beneficiará; 
 
Após este filtro, que reflete a realidade fática da Revisão da Vida Toda e importante ir ao documento juntado pelo INSS no processo (RE 1.276.977/DF): em seu item 6, ele afirma que após estudo com 108.396 registros aleatórios obtidos pelo sistema Dataprev, 33.915 casos tiveram a maior média observada ao se utilizar todo o período. 
 
Isso significa que após todos os filtros, a ação cabe apenas para 31,28% segurados. Como bem fundamentado pelo ministro Kassio Nunes Marques, ela é muito rara. 
 
E posteriormente, mesmo após todos estes filtros e descontados os percentuais de 31,28%, este número deverá ser dividido por 2, conforme item 12 da NT SEI 4921/2020/ME. Ela supõe que de cada duas pessoas com direito, uma vai ajuizar a ação. 
 
Não é fácil perceber, com os próprios dados que o INSS trouxe no processo, que a nota levada ao Presidente não “possui pé nem cabeça”? 
 
Ela infla o que já estava inflado e majora os números sempre a seu favor. Para chegar ao montante de R$ 360 bilhões o INSS considerou que esta ação poderia beneficiar:
 
- Todos os benefícios concedidos após 1999; 
 
- Benefícios já cessados; 
 
- Benefícios suspensos; 
 
- Aposentadorias por idade do segurado especial (rural); 
 
- Benefícios já limitados no teto; 
 
- Benefícios por incapacidade temporária com prazo máximo de 120 dias, sendo que o estudo estende para 15 anos o recebimento (mais de 45 vezes o prazo limite legal); 
 
E o pior: benefícios que já decaíram, de forma mais simples, que “caducaram” pela concessão ter mais de 10 anos. 
Diante de todas as inconsistências, e principalmente a fuga da realidade social, processual e procedimental, o impacto econômico da Revisão da Vida Toda será inferior ao alegado. 
 
Vamos fazer aqui uma conta utilizando apenas e tão somente a metodologia do INSS e desconsiderando que existe a decadência. Isso mesmo, iremos deixar de lado a decadência, que é o fator que mais aumenta o gasto apresentado pelo governo, é se desconsiderarmos este valor cairia absurdamente. Isso irá demonstrar que a Nota Técnica que prevê R$ 360 bilhões de custo é absurda e inconseqüente. 
 
Vamos lá: dos 14.887.210 benefícios ativos concedidos após 1999, se aplicarmos os dados que o INSS apresentou no processo de 31,28% (item 6 da NT SEI 4921/2020/ME) a ação automaticamente cairia para 4.656.720 beneficiados. E agora aplicando o item 12 da NT SEI 4921/2020/ME, devemos dividir este número por metade, chegando a um total de 2.328.360 benefícios a serem revisados. O número é mais de 20 vezes menor que o apresentado pelo governo, não alcançando R$ 18 bilhões em 15 anos. 
 
E aqui, mais uma vez afirmo, que não estamos considerando a redução no custo em razão de benefícios que já decaíram, e além disso incluímos na conta as aposentadorias rurais de segurado especial, as aposentadorias no teto, salários maternidade que possuem outra base de cálculo e os benefícios por incapacidade temporário que em poucos meses são cessados. 
 
Qual será o custo da próxima nota apresentada para a mídia? R$ 1 trilhão? Não acreditem em tudo que te vendem, pois “uma mentira dita várias vezes pode acabar se tornando uma verdade”, e isso se mostra perigoso.
 
Finalizo com uma indagação: Quem quer quebrar o Brasil? O aposentado que está reivindicando seu direito? O STF que reconheceu o seu direito ao proferir os 6 votos favoráveis?  Presidente, os aposentados não irão quebrar o país, os dados que levaram a seu conhecimento não refletem a realidade. 
 
*João Badari é advogado especialista em Direito Previdenciário, sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados e amicus curiae pelo IEPREV no processo da Revisão da Vida Toda no STF


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