Demissão por WhatsApp é válida, mas pode gerar briga judicial entre patrão e empregado

 
Arthur Gandini, do Portal Previdência Total
 
A utilização de aplicativos como ferramenta de comunicação dentro das empresas é uma realidade que foi potencializada com o regime de home office na pandemia. Entre diversas utilidades, o WhatsApp, por exemplo, tem sido utilizado até para comunicar a demissão sem justa causa do empregado.
 
Foi a partir dessa situação que a 18ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-SP) decidiu, recentemente, que foi válida a dispensa de uma educadora por uma escola particular através do aplicativo. A trabalhadora havia pedido na Justiça o direito à rescisão indireta por conta da comunicação ter sido feita por meio do WhatsApp.
 
Já em outra decisão recente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) manteve o direito à indenização por danos morais de uma empregada doméstica que passou por situação similar. A 2ª Vara do Trabalho de Campinas (SP) também entendeu que o aplicativo havia sido um meio válido para comunicar a demissão. Entretanto, a Corte Superior considerou que ficou configurada ofensa à dignidade humana da trabalhadora. Ela foi demitida após receber a seguinte mensagem: “Bom dia, você está demitida. Devolva as chaves e o cartão da minha casa. Receberá contato em breve para assinar documentos”.
 
Segundo especialistas, ambos os casos demonstram como a utilização do WhatsApp no ambiente de trabalho tem sido validado pela Justiça. Por outro lado, ainda é importante que as empresas tomem cuidado ao fazer o uso do aplicativo para evitar a judicialização dos conflitos entre patrões e empregados. “Deve ser aceito o entendimento de que a demissão pelo aplicativo é válida nos dias de hoje, tendo em vista que esse meio de comunicação é um dos mais utilizados”, defende Ruslan Stuchi, advogado trabalhista e sócio do escritório Stuchi Advogados.
 
Contudo, para o especialista, é importante que o empregador tenha cautela. “Caso não haja cuidado ao realizar a demissão pelo WhatsApp, pode acabar ofendendo o trabalhador, gerando assim um desrespeito à dignidade humana e um dever de indenizá-lo moralmente”, pontua.
 
Cíntia Fernandes, advogada especialista em Direito do Trabalho e sócia do escritório Mauro Menezes & Advogados, explica que a revolução digital mudou também as relações trabalhistas. “Esse tema tem um divisor de águas que é a questão da pandemia e a da evolução tecnológica. Isso não inviabiliza a empresa de dispensar o seu trabalhador com mais dignidade, seja por uma ligação ou por uma videoconferência. O empregador não tem que se justificar, porque a dispensa é sem justa causa, mas é preciso ter postura”, ressalta. 
 
Avanço tecnológico
 
A comunicação do empregado não é o único ato da demissão que pode ser realizado pelo meio digital. Julia Demeter, especialista em Direito do Trabalho do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, alerta que a tecnologia hoje permite que todo o procedimento seja eletrônico. O funcionário pode receber a documentação eletronicamente, assiná-la e devolvê-la digitalizada, excluindo a necessidade de ir até a empresa. “As próprias guias de seguro-desemprego e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) podem ser enviadas de forma virtual. O aviso prévio pode ser comunicado por WhatsApp, desde que se tenha ciência do recebimento da mensagem pelo empregado”, orienta.
 
Maria Lucia Ciampa Benhame Puglisi, sócia do escritório Benhame Sociedade de Advogados e diretora-presidente da Associação Paulista de Relações e Estudos Sindicais, relata que a comprovação de recebimento das mensagens é um dos maiores riscos atualmente para a empresa ao utilizar o aplicativo para essa finalidade. “Se o empregado nada responde, não há como saber se a mensagem foi lida. Ainda com a visualização de mensagem, outra pessoa pode tê-la lido, ainda que inadvertidamente”, lembra.
 
A especialista sugere que as empresas façam uma chamada virtual para comunicar a demissão e avisem o empregado que ela será gravada como prova do aviso prévio. “Outra forma é o envio de aviso via sistema de assinatura eletrônica, que permite a prova de visualização do documento, ainda que a pessoa não o assine”, aconselha.
 
Provas na Justiça
 
Em decisão no mês passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou que capturas de tela do WhatsApp pudessem ser utilizadas como provas em um processo relacionado à corrupção ativa. Entretanto, conforme os especialistas, o aplicativo de mensagens deve continuar sendo aceito ainda em processos na Justiça do Trabalho.
 
Atualmente, o WhatsApp tem sido útil para a comprovação do vínculo empregatício, assim como para a comprovação de horas extras, de desrespeito aos intervalos de jornada e de assédios direcionados ao empregado ou ao empregador, assim como para outras situações que justifiquem indenizações por danos morais e materiais. 
 
Para Daiane Almeida e Lariane Del Vechio, advogadas especialistas em Direito do Trabalho do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, o empregador não pode cometer abusos no uso do aplicativo no ambiente de trabalho. “É importante respeitar as formalidades do contrato de trabalho e a cordialidade nas conversas, a fim de não cometer abuso no exercício do poder diretivo e resguardar quaisquer ações de danos moral, assédios e possíveis provas que possam ser utilizadas em desfavor da empresa”, aconselham.
 
O cuidado também vale para o funcionário. “Ao utilizar o aplicativo no trabalho, o funcionário deve tomar cuidado com o conteúdo da conversa e com o modo de tratamento aos colegas a fim de evitar situações ensejadoras de danos extrapatrimoniais a favor da empresa e dispensas por justa causa”, complementam.
 
Na opinião de Puglisi, o WhatsApp é mais uma ferramenta de comunicação e merece os mesmos cuidados que outros instrumentos, a exemplo do e-mail. “Cada empresa deve, analisando sua cultura, regular tal uso e dar ciência aos empregados dessas normas. Os empregados devem usá-lo com cuidado, pois podem ferir regras de sigilo e confidencialidade sem perceber”, finaliza.


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