Precarização e aumento do número de acidentes afetam a vida do trabalhador na pandemia

 
Arthur Gandini e Caio Prates, do Portal Previdência Total
 
O Dia do Trabalho ou Dia do Trabalhador é comemorado anualmente em 1º de maio porque, nesta data, em 1886, trabalhadores realizaram diferentes manifestações nas maiores cidades dos EUA para pedir a redução da carga horária de trabalho, que durava em torno de 16 horas por dia. E é feriado nacional no Brasil e diversos países como, Portugal, Rússia, França, Espanha, Argentina, entre outros. A data representa o momento que os empregados e as empresas têm para refletir sobre as legislações trabalhistas, normas e demais regras de trabalho. Entretanto, segundo especialistas, após um ano de pandemia da Covid-19, os trabalhadores têm pouco para comemorar.
 
Entre os principais efeitos da pandemia nas relações trabalhistas foram o maior número de desempregados, o alto volume de acidentes e a precarização. “A pandemia teve um grande impacto nas relações de trabalho. Caro que não se pode generalizar, porque há situações em que as condições de trabalho foram mantidas, mas há outras situações em que houveram supressão de direitos, extinção do contrato de trabalho e maior número de desemprego”, avalia a advogada Cíntia Fernandes, especialista em Direito do Trabalho e sócia do escritório Mauro Menezes & Advogados.
 
A especialista ressalta que a precarização cresceu com o trabalho de profissionais vinculados a aplicativos. “É fato que a pandemia acentuou a situação de precarização das relações trabalhistas em algumas atividades laborativas como, por exemplo, dos empregado de aplicativos. Isso porque as empresas não respeitam os limites legais da legislação trabalhista, como jornada de trabalho, direito aos descansos e intervalos. Essa situação de precarização tem culminado em um índice grande de adoecimento do trabalhador, tanto de natureza física, quanto de natureza psicológica”, destaca Cíntia Fernandes.
 
A advogada Lariane Del Vecchio, sócia do escritório BDB Advogados, afirma que vários trabalhadores estão expostos a jornadas extenuantes e risco de contágio pelo vírus. “Por conta do novo cenário provocado pela pandemia, nem sempre o trabalhador está conseguindo uma vaga em atividade que garante a integridade de sua saúde física e psicológica. E mesmo os trabalhadores formais estão sendo expostos a situações degradantes. Por exemplo, os trabalhadores da saúde estão adoecendo; os trabalhadores de serviços considerados essenciais estão sendo expostos a longas jornadas de trabalho, além do risco de contágio, já que nem todos foram vacinados. Os efeitos negativos da pandemia nas relações de trabalho são reais”, analisa.
 
Lariane destaca que o trabalho prestado para plataformas digitais, se tornou um instrumento para obtenção de rendimentos necessários para sobrevivência na pandemia, mas gerou problemas. “Na maioria dos casos, é uma relação de emprego mascarada na falsa sensação de empreendedorismo, levando a jornadas de trabalho abusivas, falta de proteção à saúde do trabalhador e não recolhimento ao INSS. Esse fatores ocasionarão prejuízos a curto e longo prazo”, afirma.
 
Na visão do advogado Ruslan Stuchi, sócio do Stuchi Advogados, as relações de trabalho estão sofrendo uma grande transformação. “Com a situação de mercado comprometida devido à pandemia, em especial em países como o Brasil, o aumento da desigualdade e da pobreza são inevitáveis. Por outro lado, a pandemia pode servir como um grande laboratório para se testar novas relações de trabalho, novas tecnologias, sistemas mais eficientes e uma nova organização dos negócios. O mercado de trabalho refletirá sobre as mudanças socioculturais que momentos como esse podem provocar. Há várias questões que vinham sendo discutidas antes e que precisam ter o debate reorganizado. As relações serão repensadas, mas ainda não sabemos o resultado disso”, reflete.
 
Maria Lucia Ciampa Benhame Puglisi, sócia do escritório Benhame Sociedade de Advogados e diretora-presidente da Associação Paulista de Relações e Estudos Sindicais frisa que o impacto da pandemia foi diverso, dependendo da atividade do empregador. “Algumas atividades econômicas foram atingidas de maneira desastrosa, como o comércio presencial, o setor de eventos, por exemplo. Já outros tiveram aumento de demanda, como os sites de vendas online, entregadores, indústria farmacêutica. As medidas implantadas pelo governo e alguns acordos sindicais conseguiram manter alguns empregos, e o desemprego foi menor do que o esperado. No entanto, a pandemia se mantém, e traz apreensão a todos, empresários e trabalhadores. Este 1º de maio talvez devesse ser o de reflexão de quais medidas podem ser tomadas não só pelo governo, mas por negociações sindicais para preservação do emprego”, pontua.
 
Acidentes em alta
 
Outro problema atual para o trabalhador é o alto índice de acidente no ambiente profissional. A estimativa da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é de que, em todo o mundo, a cada 15 segundos, morre um trabalhador por acidente de trabalho ou doença adquirida no ambiente laboral. Ou seja, são mais de dois milhões de mortes por ano. E, por conta dos problemas provocados pela pandemia, segundo os especialistas, estes números continuarão em uma curva ascendente nos próximos meses. “A sobrecarga de trabalho, a falta de treinamento sobre uso de EPIs, equipamentos de trabalho não adequados e a própria contaminação por Covid, estão entre algumas causas que faz com que o número de acidentes aumente durante a pandemia”, aponta Lariane Del Vecchio.
 
De acordo com o Observatório Digital de Segurança e Saúde no Trabalho, elaborado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e a OIT, os gastos com doenças e acidentes do trabalho acumulam R$ 100 bilhões desde 2012. Neste período, 21.467 trabalhadores e trabalhadoras sofreram acidentes fatais no Brasil, com uma taxa de mortalidade de seis óbitos a cada 100 mil vínculos de emprego no mercado de trabalho formal. No contexto dos países do G-20 e das Américas, o Brasil ocupa o segundo lugar em mortalidade no trabalho, atrás apenas do México, com oito mortes a cada 100 mil vínculos de emprego. “O problema é que os dados podem ser ainda maiores, já que muitas vezes o acidente de trabalho não é notificado, ou de difícil enquadramento, como as doenças psicológicas, como depressão, síndrome do pânico e síndrome de Burnout”, diz Lariane.
 
Outro dado relevante do Observatório é que no ano passado, 21 mil trabalhadores se infectaram por Covid-19 exercendo tarefas em seu ambiente de trabalho. O advogado Ruslan Stuchi alerta que, apesar do Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecer em decisão recente a Covid-19 como acidente de trabalho, muitos profissionais nem sabem da necessidade do CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho). “Após decisão do STF, de enquadramento da Covid-19 como acidente de trabalho, ainda encontramos muitos profissionais que foram afastados pela doença, mas não realizaram o preenchimento do CAT, documento que reconhece o acidente de trabalho e doenças ocupacionais. E sem a comunicação muitos trabalhadores não têm a garantia de seus direitos, como o afastamento para tratamento da doença e os benefícios previdenciários decorrentes das sequelas causadas pelo vírus”, destaca.
 
Pós-pandemia
 
Os especialistas acreditam que, mesmo após a pandemia, os efeitos nas relações trabalhistas serão sentidos a longo prazo. “Vários direitos foram transformados e flexibilizados nos últimos anos. A reforma trabalhista já trouxe uma grande mudança nas relações trabalhistas. Os impactos da precarização serão sentidos a longo prazo. A pandemia trouxe com ela a crise social, financeira, retrocesso histórico aos trabalhadores e em especial quero destacar as mulheres, que em alguns casos tiveram que deixar seu serviço para cuidar dos filhos que estão na casa sem escola. As medidas trabalhistas adotadas durante a pandemia, podem ser uma tendência para o pós-pandemia, aumentando assim a flexibilização dos direitos dos trabalhadores e também a informalização do mercado de trabalho”, avalia Lariane Del Vecchio.
 
Já para a advogada Cíntia Fernandes, uma melhora das relações de trabalho nos próximos anos depende de muitas frentes. “Temos uma legislação que tem as garantias dos direitos trabalhistas, mas ocorreram algumas supressões nos últimos anos dos direitos dos trabalhadores, com a reforma trabalhista. Além disso, muitos empregadores usam de subterfúgios para suprimir os direitos previstos em lei. Então, na verdade, uma melhora depende de uma força-tarefa, com a presença do Estado, dos empregadores e também dos empregados, no sentido de garantir a melhora nas relações e na legislação”, conclui.


Vídeos

Apoiadores