Novas regras dificultam aposentadoria especial para trabalhadores expostos a agentes cancerígenos

 

Arthur Gandini, do Portal Previdência Total 
 
O Governo Federal editou, no final de junho, o Decreto 10.410 para atualizar as regras que disciplinam a concessão de benefícios aos segurados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Entre as mudanças, está a maior dificuldade para que trabalhadores consigam alcançar o direito à aposentadoria especial por conta do contato com agentes cancerígenos, como, por exemplo, combustíveis, agrotóxicos, minérios e a radiação presente em laboratórios de raio-x .
 
A regra anterior permitia que a caracterização do tempo especial fosse automática por conta da atividade de trabalho. O novo decreto, porém, determinou que o trabalhador será considerado efetivamente exposto ao agente cancerígeno somente quando a nocividade não tiver sido neutralizada por medidas de controle. De acordo com especialistas, a mudança afeta profissionais de postos de combustíveis, do setor agrícola, mineradores, operários da indústria química e construção civil e trabalhadores da área da saúde e de laboratórios, entre outros.
 
O advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, João Badari, afirma que a tendência é que trabalhadores destas categorias percam o direito à aposentadoria especial mesmo que tenham contato habitual com as substâncias cancerígenas. “Para agentes cancerígenos como o benzeno, que é um elemento necessário para a fabricação da gasolina e que anualmente acomete diversos frentistas, não existia Equipamento de Proteção Individual (EPI) eficaz ou um limite tolerável de exposição. O simples fato de trabalhar diariamente com o produto já possuía presunção de nocividade. Agora, se adotadas medidas de controle previstas na legislação trabalhista, poderá ser eliminada a nocividade”, exemplifica.
 
Conformes as novas regras aprovadas pela reforma da Previdência, em vigor desde novembro do ano passado, os critérios para alcançar o direito à aposentadoria especial variam conforme o grau de periculosidade do trabalho. Homens e mulheres necessitam completar 60 anos de idade mais 25 anos de tempo especial em atividade de menor risco; 58 de idade mais 20 anos de tempo especial para o médio risco; e 55 anos de idade mais 15 anos de tempo especial para atividades de maior risco.
 
Documentos como o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) e o Laudo Técnico das Condições do Ambiente de Trabalho (LTCAT), fornecido obrigatoriamente pelas empresas, comprovam o contato com os agentes nocivos à saúde, a exemplo de substâncias cancerígenas.
 
“Daqui para frente, será preciso provar que o uso de equipamentos de proteção não é suficiente para inibir os efeitos daquele agente cancerígeno. As empresas colocam que há o uso de EPI eficaz, ainda que outra seja a realidade, e o segurado encontrará mais dificuldade para fazer valer o seu direito”, aponta Erick Magalhães, advogado previdenciário e sócio do escritório Magalhães & Moreno Advogados.
 
Leandro Madureira, advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Mauro Menezes & Advogados, destaca a existência de lobby por parte do empresariado. “Um bom exemplo disso é a indústria do amianto no Brasil, que luta insistentemente para manter a sua produção, mesmo após ter sido reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal a sua vedação e mesmo que a maioria dos países do mundo reconheçam a sua prejudicialidade e a inquestionável relação entre o trabalho com amianto e o desenvolvimento de câncer”, denuncia.
 
A nova regulamentação também impactou o direito à aposentadoria especial ao não mencionar o período de recebimento de auxílio-doença acidentário como tempo especial. “Certamente essa questão resultará em ações judiciais, já que não é aceitável que um trabalhador vítima de doença do trabalho ou acidente do trabalho não tenha reconhecido esse tempo como especial, especialmente quando se observa que, nesse período, o recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) é obrigatório justamente por se tratar de acidente ou doença ocupacional”, observa Erick Magalhães.
 
Outras mudanças
 
O Decreto 10.410/20 ainda trouxe outras alterações nas regras da Previdência Social como a inclusão de diversos trabalhadores como segurados do INSS na modalidade de contribuinte individual, a exemplo de motoristas de aplicativos, artesãos, profissionais do programa "Mais Médicos" e empregados sujeitos ao contrato de trabalho intermitente. Os direitos previdenciários foram estendidos também ao trabalhador doméstico, que passou a ter direito a benefícios acidentários como o auxílio por incapacidade temporária e a aposentadoria por incapacidade permanente.
 
Para o coordenador do curso de Direito do Ibmec SP, Alan Vendrame, tratam-se de pontos positivos do decreto. “Ao consolidar a legislação correlata e organizar as normas decorrentes da reforma da Previdência, o decreto acertou ao estender os direitos previdenciários aos domésticos. Trabalhadores da pandemia como entregadores e motoristas de aplicativo também passam a ter a possibilidade de gozar dos direitos”, opina.
 
O decreto garantiu ainda a antecipação do 13º salário de forma definitiva aos segurados, sem que seja necessária a edição de decreto presencial, com o pagamento de metade no mês de agosto e do restante em dezembro. Foi criada uma espécie de “pensão maternidade" no caso do óbito de segurados que faziam jus ao recebimento de salário-maternidade. Outra determinação foi que o auxílio-reclusão não pode ter valor superior a um salário mínimo, atualmente em R$ 1.045, e que ele é devido somente aos dependentes do segurado recolhido à prisão em regime fechado.
 
O advogado previdenciário Ruslan Stuchi, sócio do Stuchi Advogados, destaca mudança que afeta de forma direta as pessoas com deficiência (PcDs) e que deve gerar insegurança jurídica. Enquanto a reforma da Previdência determinou que o segurado com deficiência tem o direito de desconsiderar no cálculo da aposentadoria os 20% menores salários de contribuição a partir de julho de 1994, o decreto determina que devem ser considerados todos os salários. “Caberá ao segurado se socorrer do Poder Judiciário para revisar o seu benefício, pois um decreto não pode ir contra norma expressa pela Emenda Constitucional 103/19 (responsável pela reforma)”, orienta.
 
A advogada e consultora legal Martha Maria de Carvalho Lossurdo Suk ressalta que o decreto teve impacto direto no empresariado em relação ao custeio da Previdência. As contribuições destinadas ao financiamento da aposentadoria especial, que variam de 1% a 3% sobre a folha de pagamento, deverão agora ser reduzidas em até 50% ou aumentadas em até 100% conforme o risco de ocorrência de acidentes de trabalho nas empresas. “Isso significa que o Fator Acidentário de Prevenção (FAP) será calculado em conformidade com a atividade econômica desenvolvida pelo empresário”, finaliza. 
 


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