Trabalhador poderá ser prejudicado com novo cálculo da aposentadoria prevista na reforma
Arthur Gandini, do Portal Previdência Total
O texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 06/2019, responsável por instituir uma reforma no sistema de Previdência Social do país, já passou por diversas mudanças ao longo de sua tramitação no Congresso Nacional e deve ser apreciado em breve pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal. Entre os pontos criticados está o fim da exclusão de 20% das menores contribuições no cálculo da aposentadoria.
Contudo, segundo especialistas, tem passado despercebida uma brecha na proposta que permite que a exclusão seja mantida, a depender do tempo de contribuição acumulado pelos segurados. Trata-se do artigo 26º, parágrafo 6º da proposta. “O artigo prevê a possibilidade de exclusão das menores contribuições para quem tem excesso de contribuição, ou seja, quem tem mais de 35 anos de contribuição, no caso dos homens, e mais de 30 anos de contribuição, no caso das mulheres. Isso elevará a média salarial”, explica Sharon Adriano, advogada especialista em Direito Previdenciário do escritório Domeneghetti Advogados Associados.
As regras atuais para o cálculo da aposentadoria determinam que o valor do benefício corresponde à média aritmética simples dos 80% maiores salários de contribuição, a partir de julho de 1994. A reforma da Previdência, por sua vez, propõe a utilização de 100% dos salários de contribuição de todo o período contributivo, a partir da mesma data. “O texto da reforma já foi alterado do contexto original, sendo que está sendo discutido bastante a forma de cálculo do benefício e poderá ocorrer alterações até sua aprovação”, analisa Ruslan Stuchi, especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Stuchi Advogados.
Caso aprovado e transformado em lei o texto atual da PEC, seria aplicado ainda coeficiente de 60% sobre o cálculo, somando-se 2% para cada ano que ultrapassar 15 anos de contribuição para mulheres e 20 anos de contribuição para homens. Na prática, passariam a ser necessários 40 anos de contribuição para os homens e 35 para mulheres para que possam receber o valor integral.
Sharon Adriano, entretanto, afirma que o artigo da proposta que permite a manutenção do cálculo atual precisa ainda ser regulamentado. “O mínimo ou máximo de contribuições que poderão ser descartadas da média ainda não estão fixadas pela reforma, o que deverá ser feito a princípio a critério do segurado e, posteriormente, estará disposto em lei complementar. A única exigência feita é que as contribuições excluídas não sejam utilizadas para outro benefício previdenciário”, ressalta a advogada.
O texto atual da PEC afirma que “até que a lei discipline o cálculo dos benefícios do regime próprio de previdência social da União e do Regime Geral de Previdência Social, será utilizada a média aritmética simples dos salários de contribuição”, de modo que o cálculo seja corresponde a “cem por cento do período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência”.
Outro trecho coloca como exceção apenas que “poderão ser excluídas da média as contribuições que resultem em redução do valor do benefício, desde que mantido o tempo mínimo de contribuição exigido, vedada a utilização do tempo excluído para qualquer finalidade”.
Dupla redução
Especialistas críticos à mudança no cálculo ressaltam que ela será responsável por não apenas uma diminuição do valor recebido pelos aposentados. “Com a inclusão das menores contribuições, o valor do salário de benefício será reduzido, e com a aplicação do coeficiente poderá haver uma segunda redução no valor final do benefício”, afirma Anne Mota, especialista em Direito Previdenciário e sócia do escritório Mauro Menezes & Advogados.
A advogada avalia que a forma de cálculo atual é favorável aos segurados que tiveram salários mais baixos no início da vida profissional e que posteriormente passaram a realizar recolhimentos maiores. Exemplos são os casos de empresários, profissionais liberais e servidores públicos, que seriam os mais penalizados pela mudança. “Como 20% desse período é descartado, atualmente o cálculo do salário de benefício desses segurados acaba ficando superior quando comparado ao benefício que seria obtido com base nas novas regras”, destaca.
Giovanni Magalhães, advogado previdenciário e especialista em cálculos do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, cita caso real de segurado que se aposentaria por idade hoje aos 41 anos e, com a regra de cálculo atual, receberia um benefício no valor de R$ 2.398,33. Com a consideração de 100% dos salários de contribuição e a aplicação do coeficiente apresentado pela reforma, o valor cairia para R$ 1.577, 41. Diferença de R$ 820,92 no montante com o qual o qual o aposentado contaria por mês para garantir a sua subsistência. “O descarte dos 20% menores salários, na grande maioria dos casos, retira da média aqueles salários que não correspondem ao padrão de vida que o segurado desfruta no momento da sua aposentadoria”, lembra Magalhães.
Anne Motta ainda explica que, quando aplicada a exceção presente no texto da PEC, o tempo de contribuição descartado na exclusão das menores contribuições também será desconsiderado na contagem do tempo de contribuição no cálculo do benefício. Em razão disso, o cálculo é difícil e é importante que o segurado busque auxílio jurídico. “É necessário que o segurado que tem tempo de contribuição superior ao mínimo exigido faça um planejamento previdenciário para verificar a viabilidade de fazer esta opção, com base na análise do histórico salarial”, orienta.
Com ou sem exclusão, a análise sobre a reforma da Previdência ser ou não ser justa socialmente segue dividida entre especialistas. “A reforma é prejudicial por ser rígida em relação ao valor dos benefícios. Todas as camadas sociais sentirão a reforma da Previdência, mas claro que a classe mais pobre depende mais dos benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), sendo assim a mais atingida socialmente pela reforma”, afirma Ruslan Stuchi.
Para Cristiane Grano Haik, professora da Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário FMU e Mestre em Direito Previdenciário, as reformas previdenciárias sempre tendem a ser um tema bastante difícil, onde se encontram defensores de ambos os lados. “Desde 1998, quando houve uma outra reforma da previdência no Brasil, já sabíamos que a aposentadoria por tempo de contribuição era um problema para o sistema e que teríamos que tratar disto num futuro não muito distante”, opina.
Atividade concomitante
Além da mudança na exclusão das menores contribuições no cálculo da aposentadoria, de acordo com especialistas, há outro ponto para o qual os segurados devem prestar atenção na hora de realizar o planejamento previdenciário.
Trata-se do caso em que foram exercidas, pelo segurado, atividades concomitantes e em que não há tempo de contribuição suficiente para se aposentar, de forma isolada, em nenhuma delas. Entendimento consolidado recentemente pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é de que, neste caso, deverá ser considerada como atividade principal pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) o que trouxer maior vantagem econômica a quem deseja se aposentar.
“Se houver prejuízo no momento do cálculo, de modo que o INSS não tenha considerado as maiores contribuições para trabalhadores que fizeram o recolhimento em dois ou mais trabalhos no mesmo mês, ainda haverá o direito de pedir revisão do benefício à autarquia, assim como exigir o pagamento dos valores retroativos de até cinco anos a partir da data da concessão do benefício”, explica João Badari, especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.
Badari ainda ressalta, entretanto, que o pedido de revisão pela via administrativa só poderá ser feito quando for relacionado a benefícios concedidos após ter entrado em vigor em junho deste ano a Lei 13.846, que regulamentou a revisão dos benefícios e o cálculo no caso de atividades concomitantes.
Outro caminho é a via judicial. Neste caso, o segurado deverá ter os seguintes documentos em mãos: Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), Carta de Concessão do Benefício e Detalhamento de Crédito do INSS referentes ao último mês.
Caso seja verificado que a autarquia utilizou os menores valores no cálculo do valor do benefício, um advogado previdenciário de confiança deverá indicar qual o valor correto e quais seriam os valores retroativos a serem pedidos. “Se o valor for inferior a 60 salários mínimos, o segurado deverá ingressar com a ação no Juizado Especial Federal”, orienta Badari.
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