Trabalhador que exerce mais de uma atividade pode somar contribuições para aposentadoria

 
Caio Prates, do Portal Previdência Total
 
Diversos profissionais exercem mais de uma atividade, ao mesmo tempo, em busca de uma renda mensal melhor. Ou seja, trabalham de manhã em um lugar, à tarde em outra empresa e, às vezes, no período da noite em outro estabelecimento. São as chamadas atividades concomitantes. Professores, médicos, enfermeiros, advogados, contadores, consultores, dentistas e engenheiros são alguns exemplos práticos de trabalhadores que, habitualmente, atuam em mais de um estabelecimento de forma simultânea. E eles contribuem obrigatoriamente para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em todas as atividades desenvolvidas. A grande questão é como somar essas contribuições para a aposentadoria.
 
“Cada dia temos mais pessoas nesta condição. Os casos clássicos são: professores ministrando aulas em mais de uma instituição; profissionais de saúde que trabalham simultaneamente em mais de um estabelecimento de saúde; e contadores e consultores que prestam serviços para várias empresas. Existem também o empresário que é sócio de mais de uma empresa; o advogado que também é professor universitário; o médico que trabalha em um hospital e é sócio de uma clínica; o garçom freelance que tem vários contratos intermitentes simultâneos, entre outras possibilidades”, relata Emerson Costa Lemes, tesoureiro do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP). 
 
Os especialistas em Direito Previdenciário observam que para fins de cálculo do benefício da aposentadoria de atividades concomitantes, o INSS, atualmente, considera como atividade primária aquela em que o segurado encontra-se com maior tempo de serviço, sendo os recolhimentos computados normalmente no momento em que este profissional requerer sua aposentadoria. 
 
“O grande problema reside na forma como o INSS considera os recolhimentos da segunda atividade deste segurado, posto que, em conformidade com o inciso II do Art. 32 da Lei 8.213/1991, o salário-de-benefício será calculado a partir da média ‘equivalente à relação entre o número de meses completos de contribuição e os do período de carência do benefício requerido’", explica o advogado João Badari, sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados. 
 
Ele esclarece que o segurado terá a soma do salário-de-contribuição da atividade principal com percentuais das médias dos salários-de-contribuição das atividades secundárias.
 
A advogada previdenciária Laís Diniz destaca que INSS considera todas as contribuições do segurado. “O cálculo é realizado utilizando a atividade principal e a secundária, chegando a um salário de benefício em cada uma. Porém, a atividade secundária sofre uma drástica redução, principalmente em razão do fator previdenciário que incide em um período mais curto contribuído”, diz.
 
Ela alerta que, na maior parte dos casos, existem erros no valor apurado. “Em razão destes erros, nossa orientação é que, ao requisitar o benefício no INSS, o segurado que trabalhou em mais de uma atividade apresente a um especialista o cálculo realizado pelo INSS para que seja verificado se o mesmo está correto. Importante destacar que, mesmo aposentado, poderá requerer uma revisão do benefício se houver o erro”, orienta.
 
Teto
 
Segundo o professor e autor de obras em Direito Previdenciário Wladimir Novaes Martinez, o benefício não pode exceder o teto previdenciário. “Exceto nos casos do aposentado que necessita da ajuda de terceiros e que pode receber até o adicional de 25%, inclusive se recebe o teto previdenciário, e da mulher em relação ao salário-maternidade, ninguém pode ultrapassar os R$ 5.645,80”, afirma.
 
O tesoureiro do IBDP esclarece que o segurado precisa contribuir em todas as atividades concomitantes, porém, estas contribuições são vão até o teto previdenciário. “Em um exemplo, consideremos que a pessoa tem dois empregos e que cada emprego lhe pague um salário de R$ 4 mil. Em um dos empregos, sua contribuição incidirá sobre os R$ 4 mil; no outro, a contribuição incidirá apenas sobre R$ 1.645,80, que é o valor que falta para chegar ao teto”, explica. 
 
De acordo com Lemes, para fins de cálculo do valor do benefício, existem duas situações. “Primeiro, o cálculo do tempo de contribuição. Se a pessoa tem dois empregos, o tempo contado é um só. Ou seja, ela paga sobre duas remunerações, mas conta só um mês de contribuição. Vamos novamente a um exemplo: durante todo o ano de 2017 a pessoa teve dois empregos. Ao final do ano, para fins previdenciários, ela tem apenas 12 meses de contribuição. Isso porque o tempo de contribuição não é do emprego, é da pessoa”.
 
A segunda situação é o cálculo da renda: “E aqui o INSS separa as atividades. Uma atividade é destacada como sendo a principal. Ou seja, aquela em que a pessoa trabalhou todo o tempo necessário para ter direito ao benefício, e as outras atividades, são chamadas de secundárias. Por exemplo, uma professora lecionou simultaneamente em duas escolas: na primeira escola, ela trabalhou os 25 anos e, na segunda, trabalhou 10 anos. A escola onde ela trabalhou 25 anos é a principal e a outra escola é a secundária”, exemplificou. 
 
O especialista do IBDP reforça que, na principal, o INSS levanta todos os salários da pessoa, faz a média, como em uma aposentadoria normal. Já na secundária, é feito também o cálculo normal de uma aposentadoria, entretanto, ao final do cálculo, é aplicada uma proporção entre o tempo que a pessoa efetivamente trabalhou e quanto ela teria que ter trabalhado para se aposentar. 
 
“Repetindo o exemplo da professora, se na escola secundária o valor apurado foi de R$ 1.000,00, este valor é dividido pelos 25 anos que ela precisaria trabalhar e multiplicado pelos 10 anos que ela realmente trabalhou: R$ 1.000,00/ 25 x 10 = R$ 400,00. Ou seja, do segundo emprego apenas R$ 400,00 serão considerados na renda da aposentadoria”, aponta.
 
Justiça
 
Os casos que envolvem a soma dos salários de contribuição dos profissionais que exercem mais de uma atividade ao mesmo tempo também provocam discussões nos tribunais brasileiros. De acordo com a advogada previdenciária Isabela Perrella, decisão recente da Justiça Federal firmou uma tese que possibilita a soma dos salários das atividades.
 
Em fevereiro de 2018, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais reconheceu a possibilidade de somar os salários de contribuição das atividades exercidas concomitantemente no cálculo de benefício previdenciário concedido após abril de 2003, sem aplicação do artigo 32 da Lei 8.213/1991. 
 
O tema foi levado à TNU em pedido de uniformização ajuizado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para reformar acórdão da 2ª Turma Recursal de Santa Catarina, que manteve sentença garantindo a segurado o direito à revisão da Renda Mensal Inicial (RMI) mediante a soma dos salários-de-contribuição vertidos de forma simultânea. 
 
“Em sentido contrário, temos diversas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que somente admitem a soma dos salários de contribuições dos períodos concomitantes caso o segurado preencha em cada um deles os requisitos para a concessão do benefício pleiteado. Nesse caso, será considerada atividade principal, para fins de cálculo do valor do salário de benefício, aquela na qual o segurado reuniu condições para concessão do benefício. Ressalto que o STJ ainda não deliberou sobre a matéria com o enfoque específico, não firmando ainda seu posicionamento, tendo decisões nos dois sentidos”, apontou a advogada.
 
Emerson Lemes, do IBDP, reforça que a Justiça tem tido uma disposição de determinar a soma de todos os salários recebidos no mês, independentemente da quantidade de empregos ou vínculos, para fazer o cálculo de uma média única. “O TRF da 4ª Região tem várias decisões neste sentido, mas é um assunto que ainda está engatinhando. Outros tribunais não tem o mesmo entendimento”, analisa.
 


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