Desaposentação na atual jurisprudência do STF

 
Gustavo Filipe Barbosa Garcia*
 
A desaposentação é o desfazimento do ato que concedeu a aposentadoria por vontade do segurado. Trata-se de desconstituição da aposentadoria, em razão de renúncia do benefício pelo segurado, entendida como ato unilateral pelo qual se dispõe do direito, extinguindo-o independentemente do consentimento do devedor.
 
O beneficiário, assim, renunciaria a aposentadoria recebida, desconstituindo o ato de concessão, para que pudesse requerer novo benefício, com o acréscimo do tempo de contribuição posterior à primeira aposentadoria. Com a desaposentação, o segurado retornaria à posição original de beneficiário, passando a ter direito de requerer o benefício novamente .
 
A desaposentação era normalmente pleiteada quando o segurado pretendia requerer a aposentadoria em outro regime previdenciário ou formular pedido de nova aposentadoria, no mesmo regime previdenciário, em valor superior, com a utilização de novos fatores de cálculo da renda mensal do benefício.
 
É possível que a aposentadoria por idade, por exemplo, seja concedida em valor inferior a 100% do salário de benefício, mas o segurado continue exercendo atividade e contribuindo no Regime Geral de Previdência Social. Pode-se fazer referência, ainda, à hipótese em que o segurado se aposentou por tempo de contribuição, com a 
incidência do fator previdenciário, mas, posteriormente, preencha os requisitos legais para se aposentar com valor superior, sem a utilização do mencionado redutor, como previsto no art. 29-C da Lei 8.213/1991. Com isso, surgia o interesse de abrir mão da aposentadoria já concedida, para que o benefício pudesse ser requerido, no 
mesmo regime previdenciário, com nova renda mensal inicial, ou seja, com o cômputo do novo período de contribuição, somado ao tempo anterior.
 
Na esfera administrativa, o Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto 3.048/1999, prevê que as aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial concedidas pela Previdência Social são irreversíveis e irrenunciáveis (art. 181-B). Nesse enfoque restritivo, o segurado pode desistir do seu pedido de 
aposentadoria desde que manifeste essa intenção e requeira o arquivamento definitivo do pedido antes da ocorrência do primeiro de um dos seguintes atos: recebimento do primeiro pagamento do benefício; ou saque do respectivo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço ou do Programa de Integração Social.
 
Na jurisprudência, anteriormente, o entendimento majoritário era no sentido da possibilidade de desaposentação, isto é, de renúncia à aposentadoria, por se tratar de direito patrimonial disponível, devendo ser computado o tempo de contribuição subsequente à aposentadoria (que foi renunciada) para efeito de novo benefício.
 
Prevalecia a posição de não ser necessário devolver os valores já recebidos até a desaposentação, pois esta, tendo natureza desconstitutiva, não opera efeitos retroativos, mas somente a partir da renúncia do direito. A desaposentação não corresponde às hipóteses de recebimento de valores de forma indevida, abusiva ou ilegal, 
mas sim de regular exercício do direito pelo beneficiário. No caso, como os valores foram recebidos licitamente e têm natureza alimentar, ficaria afastado o cabimento da devolução de algo que foi regularmente usufruído .
 
Cabe lembrar que o Regime Geral de Previdência Social adota o regime de repartição simples, em que as contribuições são vertidas a um fundo comum, e não o chamado regime de capitalização, em que as contas são individualizadas. Observa-se, portanto, a solidariedade, inclusive entre gerações.
 
Apesar do exposto, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar os Recursos Extraordinários 381.367, 661.256 (com repercussão geral) e 827.833, aprovou a seguinte tese de repercussão geral: “No âmbito do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à ‘desaposentação’, sendo constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91” (j. 27.10.2016).
 
O mencionado art. 18, § 2º, da Lei 8.213/1991 prevê que o aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação 
profissional, quando empregado.
 
Na verdade, esse dispositivo, ao ser corretamente interpretado, não veda a desaposentação, mesmo porque não trata dessa temática específica.
 
Na desaposentação o segurado não requer outra prestação previdenciária, mas somente pleiteia a concessão da própria aposentadoria, em valor mais benéfico, por ter renunciado à que foi concedida anteriormente.
 
O art. 18, § 2º, da Lei 8.213/1991 apenas estabelece a impossibilidade de concessão de outros benefícios e serviços da Previdência Social ao aposentado, com exceção do salário-família e da reabilitação profissional, não versando sobre o instituto analisado, que decorre da interpretação sistemática do ordenamento jurídico, sem 
necessitar, portanto, de previsão legal expressa.
 
Prevaleceu no STF, de todo modo, a tese de que a desaposentação não é admitida, por ser necessária a existência de norma legal a respeito.
 
Trata-se de entendimento que desestimula o aposentado de continuar trabalhando e contribuindo ao sistema previdenciário. Com isso, pode haver redução de valores recolhidos e até mesmo o efeito social e econômico negativo de se incentivar o trabalho informal.
 
Apesar de a Previdência Social ser fundada no princípio da solidariedade, ao não se admitir a desaposentação de quem continua contribuindo ao sistema, ocorre o pagamento de contribuições sociais (que não se confundem com impostos) pelo segurado, mas sem qualquer contrapartida efetiva em seu favor, revelando certo enriquecimento sem causa pelo poder público.
 
Espera-se, assim, que a questão seja prontamente revista pela jurisprudência e adequadamente disciplinada pelo legislador.
 
*Gustavo Filipe Barbosa Garcia é Livre-Docente e Doutor em Direito pela USP. Especialista e Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Sevilla. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Professor Titular (UDF). Advogado. Foi Juiz do Trabalho, ex-Procurador do MPU e ex-Auditor Fiscal do Trabalho.
 


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