PEC da Bengala vai trazer prejuízo à Previdência, diz presidente de Associação de Magistrados

Fernando Porfírio

A Proposta de Emenda Constitucional 457/2005, chamada de PEC da Bengala, está no foco da agenda política do presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), o paulista Henrique Nelson Calandra. A proposta, em debate na Câmara dos Deputados, altera artigo da Constituição Federal permitindo a elevação da idade limite para a aposentadoria de servidores públicos, inclusive juízes, de 70 para 75 anos.

Apresentada há oito anos pelo senador Pedro Simon (PMDB-RS), a proposta é identificada como sinônimo de economia para os cofres públicos. A lentidão para sua apreciação do texto é creditada ao lobby contrário dos juízes mais jovens, que estão na primeira instância. Esses magistrados acreditam que, com a aprovação da PEC da Bengala levariam, mais tempo para ter a chance de chegar aos tribunais por meio de promoções.

Do lado oposto estão magistrados mais velhos, que entendem ser a proposta inteligente, sob o ponto de vista da eficiência do Estado e do sistema previdenciário. O ex-ministro do STF Cezar Peluso é um dos defensores da PEC. Segundo ele, ao obrigar um servidor, no auge de sua capacidade intelectual a se aposentar e contratar um novo funcionário ainda inexperiente, o Estado só tem a perde.

“Isso traz prejuízos aos cofres públicos. Esse limite de idade era adequado para outro tempo, quando a medicina não tinha as ferramentas que tem hoje”, afirma Peluso. “O aumento da idade para a aposentadoria compulsória dificultaria a renovação dos tribunais e inibiria a progressão na carreira”, contrapõe Calandra, se aliando com a tese contrária à PEC da Bengala.

Calandra está desde 2011 à frente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB). A entidade congrega 36 associações regionais, sendo 27 de juízes estaduais, sete de trabalhistas e duas de juízes militares. No cargo até o final do ano, ele representa 14 mil associados, incluindo também magistrados federais.

Nascido em 1945, numa família pobre da cidade de Itaquaquecetuba, município do extremo leste da Grande São Paulo, Calandra fala com orgulho de sua dedicação ao trabalho. Começou aos 12 anos numa metalúrgica, formou-se em Direito na PUC-SP e, em 1981, entrou na carreira de juiz.

Hoje, aos 68 anos – 32 deles dedicados à magistratura –, Calandra está à beira da “expulsória”, jargão usado como sinônimo do limite da atividade do servidor público. O termo significa que, ao completar 70 anos de idade, todo funcionário a serviço do Estado está obrigado a passar à aposentadoria.

Em entrevista ao Portal Previdência Total, Calandra falou de previdência social, do regime complementar do servidor público e criticou a PEC da Bengala.

 

Leia a entrevista:

Portal Previdência Total – Por que o sr é contra a chamada PEC da Bengala?

Nelson Calandra – No futuro, o aumento do limite de idade para aposentadoria será a saída, mas hoje creio que o mecanismo não pode ser adotado, sem trazer prejuízos para a sociedade e para os cofres públicos. Nós temos nossas limitações humanas e, como no futebol, há sempre um árbitro que existe para dizer que o jogo acabou.

 

Mas a medicina evoluiu e a expectativa de vida da população também. Essa não é uma ideia antiquada?

CalandraConcordo. Mas temos toda uma geração de magistrados que está acostumada com o mundo de papel, para a qual a transição para o mundo virtual está sendo um grande sacrifício. É uma limitação que não pode ser removida do dia para a noite. Essa geração ingressou na magistratura por volta de 25 anos e vai dedicar 45 anos de sua vida à carreira.

 

Mas a questão não é corporativa e sim de economia para os cofres da previdência?

CalandraSão 45 anos de contribuição para a Previdência Social. O magistrado se aposentando aos 70 anos, atuarialmente falando, não vai provocar prejuízo à Previdência, porque pelos estudos que temos a situação atuarial se mostra equilibrada. Além disso, ao se adiar o sonho de ser juiz, você impede que novos contribuintes ingressem no sistema. Não se pode esquecer que hoje temos 4 mil cargos vagos de juiz em todo país. Se de um lado você economiza com o aumento em cinco anos para a aposentadoria compulsória, por outro você retarda a entrada de novos juízes na carreira.

 

Como é estruturado o sistema de Previdência e como funciona a Previdência Complementar?

Calandra – O Sistema Previdenciário no Brasil está estruturado em três regimes. O regime geral da previdência social, o regime de previdência dos servidores públicos, regime de previdência complementar ou regime de previdência privada. Este divide-se em Regime de Previdência Complementar Fechado, a partir de associações de classe e sindicatos); Regime de Previdência Complementar Aberto, criado por bancos e seguradoras; e Regime de Previdência Complementar dos Servidores Públicos da União, o FUNPRESP.

 

O sr. poderia explicar melhor?

Calandra - Os doisprimeirosregimes referem-se à previdênciapública, oficial, básica e obrigatória. ORegimeGeral de PrevidênciaSocial tem porbaseumplano de benefíciodefinido, regrado pelarepartição simples, ou seja, quem trabalhapagapelosbenefícios de quemjá está aposentado. Esta é a chamada “solidariedade intergerações”. No caso da Previdência Associativa, que se insere no regime de previdência complementar ou regime de previdência privada,não há esse tipo de solidariedade, é umsistema de capitalização, plano de contribuição definida, através do qual o participante receberá no futuro o saldo de sua conta individualizada composto pelas suas contribuições mais as rentabilidades obtidas.

 

A Previdência Complementar para os servidores públicos já estava prevista na Constituição?

Calandra – O regime de previdência complementar do servidor público está previsto no artigo 40, parágrafos 14 a 16 da Constituição Federal, observado o disposto no artigo 202 da Constituição Federal.  O regime de previdência dos servidores públicos – no qual estão inseridos os integrantes de carreiras jurídicas públicas –, desde a Constituição Federal de 1988, vem apresentando um cenário de profundas mudanças e instabilidade. O exemplo disso são as sucessivas EmendasConstitucionais nº 20/98, 41/03 e 47/05, que alteram as regras alusivas ao tempo de serviço, ao tempo de contribuição, à idademínima, à integralidade dos proventos e pensões, à paridade, dentre outras.

 

Foi adquirindo novos contornos ao longo desse tempo?

Calandra – A instabilidade do cenárioemrelação ao regime de previdência dos servidorespúblicosleva à discussão quanto à prevalência dos direitos adquiridos. Contudonão há comofechar os olhospara a necessidade de buscarnovasalternativas, sobretudo, emface do disposto no artigo 40, inciso I, da ConstituiçãoFederal (proventos proporcionais ao tempo de contribuiçãoemhipóteses de acidente de trânsitonão decorrente de acidenteemserviço), no limiteimpostopelalei n.º 10.887 de 2004 – impacta na integralidade e na paridade –, na elevadacontribuiçãotributária, e cujatendência é piorarpara a geraçãofutura de nossosfilhos.

 

Se a Previdência Complementar do servidor está prevista na Constituição desde 1998, por que só em 2012 foi aprovada a lei que criou a Funpresp?

Calandra – A Lei 12618, de 30 de abril 2012, que instituiu a previdência complementaroficial do servidorpúblico, trata da possibilidade da União, dos Estados, do DistritoFederal e dos Municípios instituírem regime de previdênciacomplementarpara os seusrespectivosservidores, podendo fixarporlei, umlimitemáximopara o valor das aposentadorias e pensões, tendo sido aprovada mesmo após ter recebido fortes críticas e aprofundada discussão. Atualmente, somente os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro instituíram a previdência complementar dos seus servidores públicos.

 

O que retardou sua aprovação; leniência do Congresso?

Calandra – O projeto de Lei 1992/2007 recebeu inúmeras críticas, sobretudo das entidades representativas dos servidores públicos. O objetivo da criação do FUNPRESP, segundo o próprio governo, seria o de “reduzir o volume de recursos públicos alocados à previdência do servidor público de forma a permitir o aumento da capacidade de gasto público em áreas essenciais à retomada do crescimento econômico em programas sociais”. As entidades apregoavam que a criação do FUNPRESP representaria, por um lado, a perda de receitas e, por outro, o aumento das despesas públicas, uma vez que o Estado perderia receitas na proporção de 11% sobre a parte dos salários dos servidores que exceder o teto do INSS (atualmente em R$ 4.159,00). A despesa orçamentária aumentaria, pois o Estado, na qualidade de patrocinador, teria que aportar recursos ao FUNPRESP no valor correspondente a 7,5% da parcela dos salários dos servidores que exceder o teto do INSS.

 

Então, a demora foi consequência de divergências quando ao teor do texto?

Calandra – Desde 2007, o projeto foi, por diversas vezes, alvo de análise e discussão, o que acarretou na demora de sua aprovação. Inicialmente, a previsão era da criação de um Fundo de Pensão único, abrangendo Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, mas,após amplo debate,a Lei 12.618 instituiu três fundos de pensão, um para cada poder, facultando a criação de fundação que contemple os servidores públicos de dois ou dos três Poderes, por ato conjunto das autoridades competentes.

 

Que benefícios a entidade de Previdência Complementar ou o Fundo de Pensão é obrigado a oferecer a seus participantes?

Calandra – A Renda Mensal Programada que complementará a aposentadoria oficial, além de oferecer benefícios de Renda Mensal por Morte e Renda Mensal Por Invalidez, cuja elegibilidade será definida em regulamento.

 

Qual a principal mudança na aposentadoria com a Lei da Previdência Complementar?

Calandra – É quanto ao valor das aposentadorias e pensões no serviço público civil que deixará de ser integral ou de ter por base de cálculo a totalidade da remuneração, ficando limitado ao teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), atualmente fixado em R$ 4.159.00. Para ter direito ao benefício limitado ao teto, o servidor contribuirá com 11% até esse limite. Essa regra valerá, obrigatoriamente, para todos os servidores que ingressarem no serviço público após a instituição do fundo.

 

Então deixa de existir a possibilidade de aposentadoria integral ou com base na totalidade da remuneração?

Calandra – Sim, apesar de que a integralidade da aposentadoria não existe desde o advento da Emenda Constitucional nº 41/2003. Portanto, para os servidores que ingressarem após a instituição do FUNPRESP– segurados obrigatórios do Regime Próprio do Servidor Público – será garantido somente até o teto do INSS. Acima disso poderão recorrer à Previdência Complementar, aderindo ao FUNPRESP.

 

É bom negócio, para este novo servidor, optar pela Previdência Complementar?
 

Calandara - A adesão à Previdência Complementar proporciona a complementação da aposentadoria oficial, e no ingresso ao FUNPRESP, plano patrocinado, o governo contribuirá com até 8,5% da parcela da remuneração que exceda ao teto do INSS. Há outras opções para a complementação da aposentadoria dos servidores públicos. Dentre elas, destaca-se a JUSPREV – Previdencia Associativa do Ministério Público, da Justiça Brasileira e dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil, que nasceu das mãos dos integrantes das carreiras jurídicas públicas, instituída com a finalidade de oferecer aos associados e familiares uma Previdência Complementar segura, transparente, sem fins lucrativos e de rentabilidade diferenciada. Hoje, a JUSPREV congrega 56 Associações de Carreiras Jurídicas Públicas (Poder Judiciário e funções essenciais à Justiça) e a ANFIP – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil. Com 5 anos de funcionamento, a JUSPREV possui patrimônio superior a R$ 57 milhões e potencial de mais de 120 mil participantes. A JUSPREV é citada como case de sucesso no cenário previdenciário brasileiro, por alcançar, em pouco tempo de funcionamento, significativos resultados, demonstrando a força advinda da união associativa. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) é uma das Instituidoras Fundadoras da JUSPREV e tem representantes em seus órgãos colegiados. Atualmente exerço o cargo de Presidente do Colégio de Instituidoras.

 

E como será a forma de contribuição do servidor que ingressar na Previdência Complementar?

Calandra - O Plano de benefícios é na modalidade Contribuição Definida (CD), com contas individuais para os participantes. Na modalidade CD, quem decide o valor da contribuição mensal é o participante, sendo que o valor do benefício a receber dependerá do montante acumulado pelo servidor durante a vida laborativa, incluídas as contribuições paritárias da União (até 8,5% da base de cálculo), acrescido da rentabilidade dos investimentos.As contribuições do patrocinador e do participante incidirão sobre a parcela da base de contribuição que exceder o limite máximo (teto do INSS).

 



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