Revisão da Vida Toda: pedido de ministro do STF trava julgamento, que pode recomeçar do zero

 
Caio Prates, do Portal Previdência Total
 
Faltando vinte nove minutos para o prazo final do julgamento da Revisão da Vida Toda no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Kassio Nunes Marques fez um pedido de destaque sobre o tema e pode fazer com que o julgamento recomece do zero no Plenário da Corte Superior. Isso porque, com essa solicitação, o processo deverá sair do plenário virtual para julgado no plenário físico. Não há data para uma nova votação do tema 1.102, que tem repercussão geral. A decisão tomada pelos ministros valerá para para todas as ações do tipo em andamento no país.
 
No plenário virtual, o STF decidiu, no último dia 25 de fevereiro, que os aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) têm o direito à chamada Revisão da Vida Toda. Essa revisão é fruto de uma ação judicial na qual aposentados pedem que todas as suas contribuições ao INSS, inclusive as realizadas antes da criação do real, em 1994, sejam consideradas no cálculo da média salarial para aumentar a renda previdenciária. O julgamento da Corte Superior foi definido pelo voto de minerva do ministro Alexandre de Moraes e terminou em seis votos favoráveis contra cinco contrários.
 
Com o pedido de Nunes Marques, poderá haver uma reviravolta no julgamento. O motivo é que um dos ministros favoráveis, o relator da medida, Marco Aurélio, está aposentado e não poderá votar. Além de Marques, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para a vaga, André Mendonça, que entrou no lugar de Marco Aurélio e é muito próximo à primeira-dama Michelle Bolsonaro, também foi indicado por ele. Assim como Marco Aurélio, relator do caso, Edson Fachin, Cármen Lúcia, Rosa Weber e Ricardo Lewndowski, o ministro também foi favorável à revisão. Em seu voto, além de garantir o direito ao melhor benefício, ele definiu quem poderia fazer o pedido. Foram contrários à decisão os ministros Nunes Marques, que abriu a divergência com base no relatório do governo, seguido por Dias Toffoli, Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Luiz Fux.
 
Segundo Marco Aurélio Serau Junior, advogado, professor da UFPR e Diretor Científico do IEPREV, o Código do Processo Civil de 2015 permite que os votos dos ministros sejam alterados até a conclusão do julgamento. nesse caso da revisão toda temos uma questão diferente e mais grave, esse pedido de destaque após a conclusão dos votos de todos os ministros é muito estranha. O pedido para mudança de voto de um ministro já aposentado soa muito estranho. Os ministro, agora, vão apreciar essa questão procedimental preliminar para ser auferida para saber ser haverá uma nova votação em plenário ou ser será mantida a decisão já tomada no plenário virtual"
 
Na opinião do advogado especialista em Direito Previdenciário Celso Joaquim Jorgetti, da Advocacia Jorgetti, a decisão do Ministro Nunes Marques em pedir destaque é o maior descalabro já visto no STF. "É uma atitude totalmente política que não tem a menor preocupação para com os aposentados que contribuíram durante boa parte de sua vida, na expectativa de auferir um benefício condizente no futuro. Devemos lembrar que o sistema de financiamento da Seguridade Social é contributivo destinado a garantir, o mínimo de condição social necessária a uma vida digna custeada solidariamente por toda a sociedade segundo o potencial de cada um", avalia.
 
Jorgetti ressalta que, caso a decisão seja revertida, o STF cometerá a maior injustiça com os aposentados ao confrontar o princípio de solidariedade. "Esse principio constitucional se caracteriza pelo financiamento de gerações. Uma geração ativa ao contribuir para a previdência social está custeando as gerações passadas, que estão inativas. Futuramente, esta geração terá os seus benefícios garantidos pelas novas gerações que virão, e assim, sucessivamente. Ao não considerar todas as contribuições do segurado para o cálculo de sua aposentadoria  o estado continua dando um calote em quem contribuiu para a manutenção do sistema", afirma.
 
Segundo Celso Jorgetti, outra questão deve ser avaliada antes da decisão de um novo julgamento: a participação do atual ministro André Mendonça no processo a favor do INSS, quando atuava pelo Advocacia-Geral da União (AGU). "Tem ainda a questão de ordem que pode ser suscitada, uma vez que o André Mendonça atuou pela AGU em defesa do INSS nesse mesmo processo", alerta. 
 
Instituto ingressa com questão de ordem no STF
 
O Instituto de Estudos Previdenciários (IEPREV) apresentou uma questão de ordem no Supremo Tribunal Federal (STF), na tarde desta quarta-feira , 09 de março, para contestar o pedido de destaque do  ministro Kassio Nunes Marques faltando meia hora para o prazo final do julgamento da Revisão da Vida Toda na Corte Superior. 
 
O IEPREV, que foi amicus curiae no caso, representado pelo advogado João Badari defende que o pedido de destaque de Nunes Marques se faz desnecessário, pois o processo teve ampla produção probatória.
 
No documento enviado ao presidente do STF, Luiz Fux, e assinado pelo advogado João Badari, o instituto reforça que: “Ocorre que o presente processo teve ampla produção probatória, com a juntada de sustentações orais das partes e amigos da corte, parecer do Procurador-Geral da República, memoriais, despachos, Nota Técnica juntada pelo INSS com informações sobre o custo da ação para seus cofres e também o voto divergente do Ministro Kassio Nunes Marques. O voto divergente foi muito bem fundamentado, e isso demonstrou a profundidade do debate levado ao Supremo Tribunal Federal. Data máxima vênia, não existe a necessidade de um tema ser levado para o plenário presencial se por meio do PV o processo se aprofundou, não ocorreu de forma rasa”.
 
João Badari completa que o próprio INSS fez um levantamento técnico completo sobre o caso e que foi levado em considerado no julgamento. “Todas as partes, incluindo o INSS obviamente, conseguiram exaurir a produção de provas para a elucidação do tema deixando os Eminentes Ministros convictos para proferirem seus votos acompanhando ou não a relatoria do, agora aposentado, Ministro Marco Aurélio. Como dito acima, o Tema 1102 teve em sua relatoria o Ministro Marco Aurélio que, após exaustiva produção de provas fundamentou sua decisão”.
 
Na visão do IEPREV, a votação ser interrompida e recomeçada do zero irá tirar todo o trabalho e estudo realizado pelo ministro relator e “mostra-se um desprestígio ao processo, bem como a todo estudo do relator e demais ministros, seu seus votos serem desconsiderados”.
 
Para o amicus curie, o pedido de destaque não pode ser utilizado de maneira estratégica, possibilitando vetar uma decisão que se mostra consolidada. “Ele tem que respeitar os princípios administrativos, o que inclui moralidade, finalidade e motivação. Alegar que o destaque é válido como regra, mas, no caso concreto, do modo que foi utilizada, acaba se subvertendo em ato que não condiz com o espírito e a finalidade da norma. De forma muito clara ficou constatado que ao ter seu voto divergente não sendo seguido pela maioria do colegiado, um pedido de anulação do julgamento foi solicitado. Em um processo que está em jogo a defesa do preceito fundamental da segurança jurídica constitucional, isso traria um abalo também na segurança jurídica das decisões da Corte. Pois no caso de cenário que possa indicar uma possível derrota, qualquer ministro pode pedir destaque para zerar uma votação desfavorável a si”, reforça no documento João Badari.
 
O instituto também reforça que o pedido de Nunes Marques retardará o processo e prejudicará milhares de aposentados que aguardam por esse direito. “No caso em tela isso traz um receio ainda maior: são aposentados com idade avançada que estão aguardando a decisão e retardar o processo trará aos cidadãos um enorme prejuízo, vez que muitos terão falecido na conclusão do julgamento, ou serão atingidos pela decadência, que já fulminou todos os benefícios anteriores a março de 2012. Iremos presenciar que “justiça tardia é injustiça” para muitos aposentados. Estes aposentados estavam prestes a obter a tutela jurisdicional que lhes garantiriam usufruir do ócio com dignidade”.


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