Os reajustes de servidores nunca implementados no Distrito Federal e o início dos efeitos da prescrição em setembro de 2020

 
Danilo Prudente*
 
Em 2012 e 2013, finalizavam-se as negociações para o reajuste de vencimentos de trinta e duas carreiras diferentes do quadro de servidores do Distrito Federal. Como resultado, foram enviados à Câmara Legislativa do Distrito Federal projetos de lei que previam o reajuste escalonado dos vencimentos, com implementação dos percentuais, de modo geral, nos meses de setembro de 2013, de 2014 e de 2015. Após a aprovação das leis, o Distrito Federal honrou a obrigação de implementação nos anos de 2013 e de 2014. Algumas categorias chegaram até a receber parcelas previstas para março de 2015. Em setembro de 2015, porém, a última parcela de reajuste não foi implementada, situação que perdura até hoje.
 
O não pagamento da última parcela já havia se tornado uma expectativa razoável a partir do momento em que o Distrito Federal apresentou Ações Diretas de Inconstitucionalidade junto ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, justamente para questionar as normas concessivas do reajuste. Segundo o Governo do Distrito Federal, as normas não teriam observado o devido processo legislativo e, no cenário da época, havia se tornado insustentável o pagamento dos reajustes, em razão da insuficiência de dotação orçamentária.
 
O Tribunal de Justiça julgou as Ações Diretas de Inconstitucionalidade apresentadas pelo Distrito Federal, mas sequer chegou a adentrar na análise do seu mérito. O argumento, em resumo, era o de que não havia mácula no processo legislativo das normas questionadas e que eventual inexistência de dotação orçamentária apenas poderia ter sido alegada na data de edição das normas, nos idos de 2012 ou 2013. A partir dos anos seguintes, apenas caberia ao Governo do Distrito Federal realizar a implementação dos reajustes previstos em lei.
 
Restou ao então Governador fundamentar-se no argumento de insuficiência orçamentária para simplesmente descumprir uma norma que estava vigente e válida, no ordenamento jurídico distrital. O descumprimento iniciado em setembro de 2015 se manteve, ano a ano, a despeito das inúmeras tentativas de negociações dos servidores e dos inúmeros processos judiciais, que costumavam garantir a implementação da última parcela de reajuste, de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e com o fato de que o Distrito Federal jamais havia conseguido comprovar, em qualquer processo, a alegada ausência de dotação orçamentária.
 
A situação processual nos casos de reajuste permaneceu praticamente inalterada, então, até outubro de 2017, quando o Ministro Alexandre de Moraes admitiu o Distrito Federal como amicus curiae no RE 905.357. No processo em questão, era discutido "o direito subjetivo à revisão geral da remuneração dos servidores públicos, por índice previsto apenas na Lei de Diretrizes Orçamentárias, sem a correspondente dotação na Lei Orçamentária do respectivo ano" e já havia uma determinação de que todos os processos que tratassem do mesmo tema fossem suspensos.
 
Os processos de reajuste, de forma um tanto evidente, não tratavam de "revisão geral da remuneração dos servidores públicos" e nem discutiam a existência de previsão de um reajuste na Lei de Diretrizes Orçamentárias, sem posterior inclusão na Lei Orçamentária Anual. De alguma forma, porém, surgiu uma compreensão no Judiciário Distrital de que a mera aceitação do Distrito Federal como amicus curiae naquele processo justificava a semelhança entre os casos e, a partir daí, todos os processos ficaram suspensos, aguardando-se a decisão do Tema 864, que seria debatido a partir do RE 905.357 já mencionado.
 
O Tema 864 veio a ser julgado em 29 de novembro de 2011, com a definição da seguinte tese de repercussão geral: "A revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos depende, cumulativamente, de dotação na Lei Orçamentária Anual e de previsão na Lei de Diretrizes Orçamentárias". O tema deixava claro, de forma muito específica, que tinha como destinatário o instituto da revisão geral anual da remuneração, previsto no art. 37, X, da Constituição Federal, de forma a afirmar que a mera previsão de tal direito na Lei de Diretrizes Orçamentárias não garantia a sua aplicação, se não houvesse posterior confirmação do orçamento na Lei Orçamentária Anual.
 
No Judiciário do Distrito Federal, contudo, a compreensão acabou indo um pouco além – salvo algumas poucas exceções. Em pouco tempo após a definição da tese de repercussão geral, o entendimento anteriormente pacífico, no sentido de que os reajustes dos servidores eram devidos desde setembro de 2015, passou a ser diametralmente oposto, com a definição de que os reajustes não seriam devidos por ausência de dotação orçamentária. Magistrados e órgãos judiciais que anteriormente defendiam a ausência de provas apresentadas pelo Distrito Federal para comprovar a insuficiência orçamentária, agora passaram a defender que a mencionada insuficiência seria "fato público e notório", a afastar o direito dos servidores.
 
Todo esse contexto de mudança de jurisprudência acontece, de forma mais preocupante, exatamente próximo ao período no qual a prescrição do direito dos servidores começará a surtir efeito. É que, quando se trata de parcelas mensais devidas pela Administração Pública, a legislação prevê que o servidor perde o direito a questionar aqueles valores que sejam devidos há mais de 5 (cinco) anos. Como se trata de parcelas remuneratórias, chamadas de trato sucessivo, o servidor não perde necessariamente o direito de questionar o reajuste, mas perde o direito a todas as parcelas que não estejam incluídas no prazo mencionado.
 
Como a implementação da última parcela de reajuste estava prevista para setembro de 2015, a partir do mês de setembro de 2020 os servidores que não tiverem ações ajuizadas (ou que contem com alguma ação coletiva de um sindicato em relação à categoria) passam a perder o direito às parcelas dos meses mais antigos. Assim, quem vier a ajuizar ações apenas após setembro de 2020, poderá perder o direito a alguns valores do reajuste, caso haja uma nova alteração na jurisprudência e o direito volte a ser reconhecido.
 
O cenário para o reconhecimento do direito, apesar de atualmente desfavorável, ainda conta com algumas etapas. É de se notar, por exemplo, que o Supremo Tribunal Federal julgou recentemente um Recurso Extraordinário do Distrito Federal acerca da matéria, com base justamente na tese de que o Tema 864, julgado pela Corte em novembro de 2019, nada tem a ver com os processos de reajuste do Distrito Federal.
 
Com isso, o argumento principal dos magistrados do Distrito Federal começa a ser desafiado, o que pode levar a um novo olhar sobre a matéria. Para além disso, nos processos já julgados, ainda há a possibilidade de acesso ao Supremo Tribunal Federal por parte dos servidores, por meio de Recurso Extraordinário, tendo em vista haver relevantes argumentos de violação constitucional neste caso.
 
A discussão dos reajustes nunca implementados no Distrito Federal parece um pouco longe de uma definição. É certo, porém, que a partir de setembro de 2020 os servidores que nunca questionaram o seu direito começar a sofrer perdas remuneratórias em relação aos retroativos, caso as decisões favoráveis ao reajuste voltem a ser uma realidade. Mais certo, ainda, é que o debate jurídico sobre a matéria precisa ser realizado, eis que a situação do Distrito Federal é mais que esdrúxula: legislações válidas e vigentes estão sendo reiteradamente descumpridas pelo Governo do Distrito Federal, desde 2015, com impacto direto em verbas alimentares dos servidores distritais.
 
*Danilo Prudente é advogado do escritório Mauro Menezes & Advogados
 
 
 
 
 
 
 


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