Impactos Previdenciários da decisão do STF que definiu o Covid-19 como doença ocupacional

 
Suellem Medeiros Araújo Siqueira*
 
A MP 927, de 22 de março de 2020, tratou das medidas trabalhistas de enfrentamento do estado de calamidade pública e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus (COVID-19). De acordo com o artigo 29 do referido dispositivo legal, os casos de contaminação pela pandemia não seriam considerados doença ocupacional, com exceção daquelas atividades definidas em lei como essenciais, como hospitais, farmácias, mercados, transportes coletivos e serviços de entrega, entre outras, que não podem ser paralisadas.
 
No entanto, no dia 29/04/2020, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a eficácia desta medida provisória. Segundo a decisão da Corte, o mesmo artigo 29 perdeu a validade. A partir de então, tornou-se possível que eventual contaminação por Corona Vírus pelos empregados seja considerada uma doença ocupacional. O STF entendeu que seria oneroso demais repassar ao empregado o ônus de comprovar que a contaminação tivesse ocorrido no ambiente de trabalho. Todavia, a suspensão da validade do dispositivo é de caráter temporário.
 
É inegável o fato de que os impactos trabalhistas decorrentes desta decisão serão enormes e envolvem discussões futuras sobre a extensão da responsabilidade dos empregadores diante de uma situação mundialmente inédita. Aqui, neste artigo, tratar-se-ão tão somente das consequências trazidas pela decisão na esfera previdenciária.
 
Com a mudança de paradigma pela Corte Suprema, o fato de a Covid-19 ser considerada como doença ocupacional a equipara a acidente de trabalho. Com isso, três benefícios previdenciários serão diretamente afetados: auxílio doença, aposentadoria por invalidez e pensão por morte.
 
O auxílio doença é garantido aos empregados afastados do trabalho por mais de 15 dias (seguidos ou 15 dias em um período de 60 dias) devido a acidente ou doença (relacionados trabalho ou não) que cause incapacidade parcial e temporária. Em regra, esse benefício exige três requisitos: incapacidade parcial e temporária para o trabalho, qualidade de segurado e cumprimento de carência mínima de 12 meses. Ocorre que, para os casos de acidente de trabalho, doença ocupacional ou doença do trabalho, não é exigido o cumprimento da carência mínima.
 
A mudança abarcará ainda os acidentes de trajeto, que novamente foram considerados acidente de trabalho. A Medida Provisória que instituiu o Contrato Verde e Amarelo perdeu sua eficácia em 20/04/2020, quando seu período de validade foi encerrado. Isso implica que os acidentes de trajeto e contaminações por CoronaVírus serão situações passíveis da fruição deste benefício.
 
A aposentadoria por invalidez, por sua vez, é um benefício destinado a amparar os segurados que sofreram uma doença ou acidente, seja ela relacionada ao trabalho ou não, que os deixaram incapacitados de forma total e permanente. Nesse caso, não há possibilidade de readaptação deste segurado por conta da incapacidade havida.
 
A vantagem de os casos de COVID-19 serem entendidos como acidente de trabalho irá refletir diretamente no valor a ser percebido pelo segurado. Isso se deve ao fato de que, após a promulgação da Emenda nº 103 – Reforma da Previdência, o cálculo da aposentadoria por invalidez é dado inicialmente pela média de todos os salários de contribuição vertidos a partir de julho de 1994. Sobre essa média é aplicado um coeficiente de 60%, acrescido de 2% para cada ano além dos 20 anos de contribuição, para os homens, e 15 anos, para as mulheres. No entanto, para os casos de acidente de trabalhou a Reforma excetuou a aplicação do coeficiente sobre a média dos salários.
 
Importante salientar que o raciocínio atualmente vigente que não preza pela igualdade de tratamento dos segurados, uma vez que o contribuinte previdenciário que se acidenta ou adquire enfermidade em decorrência da função que desempenha recebe tratamento diferenciado do que aquele cuja incapacidade restou decorrente de outro motivo que não ou trabalho, o que fere o tratamento isonômico aos cidadãos, garantido pela Constituição.
 
Faz-se necessário, pois, uma melhor reflexão sobre a aplicabilidade desta regra por parte dos operadores do direito.
 
A despeito dessas considerações, pode se enxergar hoje, diante das regras vigentes, um  pequeno avanço nos direitos do trabalhador que contraiu o Coronavirus, já que este não teria meio algum de comprovar que o contágio teria acontecido em seu meio ambiente de trabalho ou em virtude da função desempenhada. Deste modo, aos cálculos dos benefícios previdenciários decorrentes desta enfermidade não serão aplicados os coeficientes redutores decorrentes da EC 103/2019.
 
*Suellem Medeiros Araújo Siqueira é advogada Previdenciária. Presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB Subseção São José dos Pinhais/PR. Especialista em Direito Público pela Esmafe/PR. Pós-Graduanda em Direito Previdenciário pela Ajurídica. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Paraná.
 


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