Na pandemia, profissionais de saúde trabalham mais e podem ficar sem benefícios previdenciários

 
Arthur Gandini, do Portal Previdência Total
 
O governo promoveu alterações temporárias nos direitos trabalhistas e previdenciários por conta da pandemia do Covid-19 (coronavírus), que devem durar até o final do estado de calamidade pública, em vigor desde o final do mês de março. Milhares de profissionais de saúde - médicos, enfermeiros, auxiliares, entre outros -, por conta de exposição direita a doença e ao risco de contaminação pelo novo vírus, foram alvo de diversas mudanças específicas. Segundo especialistas, essas alterações devem fazer com que os empregados da área de saúde enfrentem duras jornadas de trabalho e ainda corram o risco de não receberem auxílios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
 
A Medida Provisória (MP) 927 permitiu a suspensão das férias e licenças dos profissionais de saúde, assim como a sua convocação quando já estejam exercendo o direito, desde que comunicado pelo empregador com até 48h de antecedência. Também foi permitida que a escala de trabalho de 12h de trabalho por 36h de descanso possa ser estabelecia mediante acordo individual.
 
As regras anteriores exigiam acordo coletivo para a mudança e ainda poderão ser adotadas escalas suplementares entre a 13ª e a 24ª hora do intervalo interjornada sem que haja penalidade. Com isso, é possível a instalação, por exemplo, de escalas no esquema 24 x 12. Horas excedentes de trabalho poderão ser pagas como horas extras ou compensadas por meio de banco de horas no prazo de até 18 meses. Por fim, a medida determinou que a contaminação por Covid-19 será considerada acidente de trabalho somente com a comprovação de nexo causal.
 
"A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem recomendado fortemente o isolamento social horizontal. Medidas têm sido adotadas para que os trabalhadores de atividades essenciais, como os profissionais de saúde, possam exercer normalmente suas atividades. Não há dúvidas da maior exposição desses trabalhadores ao risco do contágio e da perspectiva de adoecimento", alerta Denise Arantes, advogada especialista em Direito do Trabalho e sócia do escritório Mauro Menezes & Advogados.
 
O Brasil possui um registro de mais de 8 mil afastamentos, internações e mortes de profissionais da área da saúde por conta da pandemia de Covid-16, até o último dia 16 de abril. Com relação aos afastamentos, de acordo com as secretarias de saúde de cidades e estados, muitos foram acomentidos pela doença e outros foram preservados por serem do chamado "grupo de risco da doença". Outro grave problema enfrentado pelos profissionais é a falta de equipamentos de proteção individuais (EPIs) suficientes e adequados para o atendimento de pacientes com coronavírus. Em muitos hospitais a situação já é crítica com plantões dobrados e falta de máscaras, luvas e demais materiais de proteção. 
 
Para Fernando de Almeida Prado, advogado trabalhista e sócio do escritório BFAP Advogados, um dos principais problemas das mudanças apresentadas pelo governo é a necessidade de comprovação do contágio pelo coronavírus, presente no artigo 29 da MP. "A partir do momento que, profissionalmente, fica comprovado que a pessoa trabalha em um ambiente que está lidando com um vírus altamente contagioso, deveria haver uma presunção de que essa doença tem um nexo de causalidade com o trabalho. É um artigo muito delicado", defende.
 
A comprovação é necessária para que os profissionais de saúde possam receber auxílio-doença e aposentadoria acidentária do INSS, em caso de sequelas, assim como a pensão por morte para seus dependentes, aposentadoria especial, adicional por insalubridade e eventuais indenizações na Justiça do Trabalho.
 
Entretanto, para João Badari, advogado previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, as condições de trabalho durante a pandemia podem facilitar a comprovação. "O maior índice de infectados pelo Covid-19 ocorre nos profissionais da saúde. Para os profissionais de saúde infectados será de fácil comprovação que o mesmo é ocasionado por um acidente de trabalho, em razão do nexo causal", pondera.
 
Aposentadoria e insalubridade
 
O advogado trabalhista e sócio do escritório Stuchi Advogados, Ruslan Stuchi, explica que a legislação previdenciária determina que atividades exercidas em contato com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas e o manuseio de materiais contaminados garantem tempo de atividade que pode ser contabilizado para a aposentadoria especial. As atividades são comprovadas a partir do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), laudo fornecido pelo empregador. Desde a reforma da Previdência, o direito à aposentadoria especial pode ser obtido pelos segurados a partir dos 55 anos de idade e 15 anos de tempo de contribuição, a depender do grau de exposição a agente nocivos.
 
Os profissionais da área da saúde ainda podem receber um adicional de insalubridade de até 40% sobre o salário por estarem submetidos ao risco biológico do novo coronavírus. "Vale lembrar que não somente os profissionais dá saúde têm direito ao adicional, mas todas as pessoas que trabalham com contato a paciente, desde recepcionistas, auxiliares administrativos, auxiliares de manutenção que trabalham dentro do hospital, entre outros", afirma Stuchi.
 
Na última terça-feira (14), Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CRM-DF) encaminhou ofício ao governo distrital em que propôsa a criação de um projeto de lei que conceda o adicional de insalubridade em grau máximo a todos os servidores públicos da área da saúde do DF.
 
Já na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 744/20 garante o pagamento de adicional de insalubridade de 40%, calculado sobre o salário mínimo, a trabalhadores da saúde pública da União, estados e municípios e também do setor privado. A proposição aguarda despacho do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM).
 
Na visão de especialistas, as mudanças apresentadas pelo governo são inconstitucionais e a atuação dos profissionais de saúde deve resultar em um aumento da judicalização. "É possível que haja um aumento considerável de ações judiciais visando, por exemplo, a percepção de benefícios previdenciários, a percepção de horas extras e a indenização por danos morais decorrente do adoecimento pelo novo coronavírus", analisa Denise Arantes.
 
Para o advogado Ruslan Stuchi, ainda é fundamental que os profissionais de saúde fiquem atentos durante a crise ao fornecimento de equipamentos de proteção individual e coletivo por parte das empresas. "Caso o seu empregador não esteja fornecendo os equipamentos necessários para evitar o contágio, você deve fazer denúncias no sindicato profissional ou na Gerência Regional do Trabalho e Emprego pessoalmente ou pelo telefone 158", orienta.
 


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