Burocracia para realizar prova de vida no INSS gera problemas e judicialização

 
Arthur Gandini, do Portal Previdência Total
 
Do total de cerca de 35 milhões de segurados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), nada menos que 626.171 não tinham comparecido, até junho último, aos seus respectivos bancos para a fazer a chamada “prova de vida”. Os dados, presentes no último levantamento divulgado pelo órgão, mostram que os Estados com o maior número de comparecimentos pendentes são São Paulo (159 mil), Minas Gerais (82 mil), Rio de Janeiro (49 mil) e Bahia (41 mil).
 
A prova de vida é o procedimento utilizado pelo INSS, desde 2011, para evitar fraudes e pagamento indevido de benefícios. Especialistas apontam que o motivo do não comparecimento dos segurados para provarem que ainda estão vivos vão desde à dificuldade de locomoção ao esquecimento, à burocracia e problemas no sistema de dados do INSS. O último caso é o de Marília Kometani, 31 anos, que tem um pai com demência frontotemporal e com direito ao benefício da aposentadoria por invalidez.
 
Ela conta que foi em abril a uma agência do INSS em São Paulo com seu pai, o segurado José Alves, 58 anos, atualizar o seu cadastro como representante legal. Em maio, o cartão do benefício do pai foi bloqueado. Marília foi ao banco, que alegou que o segurado não tinha condições de assinar os documentos, mas também não aceitou a assinatura da filha. 
 
Marília retornou ao INSS e descobriu que o sistema do órgão estava demorando para se comunicar com o banco. Foi orientada a realizar a prova de vida na própria agência para que não fosse pedido o prazo, mas a situação acabou sendo regularizada apenas em junho.
 
Ela relata ainda que o benefício do pai já chegou a ser suspenso em razão de o INSS confundir o homem com segurado homônimo no sistema. Ela também reclamou do fato de o pai ter precisado passar por uma nova perícia em 2018 para poder receber um adicional de 25% ao benefício, sendo que ele tem uma doença degenerativa. “Todos os serviços públicos são arcaicos, falta inovação e implementação de ferramentas online para tornar os processos e atendimentos menos burocráticos”, critica Marília, que teve dificuldade em levar o pai para fazer a prova em razão da doença e ainda estava grávida na época em que ocorreu o problema com o sistema.
 
O especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, João Badari, opina que o problema é sério, mesmo que tenha sido resolvido. “E os meses em que ele ficou sem receber? É difícil passar um mês sem o recebimento do benefício com o qual a pessoa conta para sua sobrevivência”, afirma.
 
Para o advogado, o comportamento do banco e do INSS, assim como a burocracia excessiva, ferem o princípio da dignidade humana. “A aposentadoria por si só já tem o caráter de urgência, pelo cunho alimentar; imagina então para uma pessoa inválida e que necessita da ajuda de terceiros para sobreviver. O INSS precisa urgentemente solucionar seus problemas internos”, defende.
 
Ainda são comuns no noticiário e nas redes sociais relatos e imagens de segurados que têm dificuldade de chegar aos bancos e às agências do INSS para fazer a prova de vida em razão da idade, de deficiências e até da falta de acessibilidade nos locais. “São casos muito mais comuns do que se imagina. A despeito do beneficiário do INSS receber algum valor decorrente de seu benefício, muitas vezes ele não tem condições financeiras de contar com um apoio na hora de ir ao banco. Sem contar aqueles que também são abandonados por suas famílias”, analisa Leandro Madureira, advogado previdenciário e sócio do escritório Mauro Menezes & Advogados.
 
Para solucionar o problema, o INSS publicou em março a resolução 677/2019, que trouxe a opção de segurados com mais de 80 anos, ou com dificuldades de locomoção, de fazer o agendamento para que um servidor do órgão vá até a residência ou a outro local em que estiverem para a realização da prova de vida.
 
Na visão de Ruslan Stuchi, especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Stuchi Advogados, a mudança foi uma vitória para os segurados. “Trouxe alguma esperança para o cenário previdenciário atual, demonstrando que o governo federal, apesar de adentrar em temas muito polêmicos no que diz respeito à Previdência, ainda demonstra um cuidado mais sensível para com estes segurados que tanto precisam desses benefícios para sua subsistência”, afirma.
 
Contudo, para Angela Andreoli, mestre em Direito Previdenciário e advogada do escritório Salusse, Marangoni, Parente e Jabur Advogados, embora a resolução represente uma evolução de modo a facilitar a vida do segurado, na prática as coisas podem ser diferentes. “Não será tão simples agendar a visita domiciliar para realização da prova de vida, pois diversos beneficiários alegam que não conseguem agendar atendimento no INSS pelo telefone ou pela internet em virtude da demanda ser maior do que a capacidade de atendimento dos servidores em exercício”, prevê.
 
Procurado pela reportagem, o INSS não havia comentado a ocorrência de problemas relacionados à prova de vida até o fechamento dessa matéria.
 
Procedimentos e judicialização
 
Atualmente, há cinco formas de realizar a comprovação de vida. A primeira consiste no próprio segurado renovar a sua senha junto à sua instituição financeira mediante a identificação de funcionário ou por meio de sistema biométrico.
 
A segunda forma consiste em representante legal realizar a prova de vida do segurado, desde que esteja cadastrado no INSS. Após a realização da prova nas duas opções, a instituição financeira transmite a informação ao INSS.
 
A resolução 677/2019 ainda criou o caminho para que a comprovação possa ser realizada em agências do INSS no caso de segurados acima dos 60 anos e, no caso de maiores de 80 anos ou com dificuldade de locomoção, fazer o agendamento da visita de servidor do órgão.
 
A última possibilidade é relacionada aos segurados que estão fora do país. Eles podem realizar a prova de vida em embaixadas e consulados e, no caso de estarem em um país signatário da Convenção de Haia, podem preencher apenas o “Formulário atestado de vida para comprovação perante o INSS”, disponível no site do INSS. 
 
“Os segurados que não fizeram a comprovação há mais de um ano terão os benefícios suspensos. Caso tenham perdido o prazo, deverão ir o quanto antes ao seu banco pagador para regularizar a situação e reativar o pagamento. Se não fizer a comprovação, o benefício é suspenso e, após um período de seis meses, é cessado”, orienta o especialista João Badari.
 
Alexandre Triches, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), observa que problemas relacionados à prova de vida ainda podem chegar ao Judiciário, embora isso aconteça com menos frequência do que outras demandas relacionadas ao órgão. “A decisão judicial costuma variar, levando em consideração as características do processo administrativo, se as incumbências dos dois lados foram realizadas. Vai-se levar em consideração o requerimento administrativo”, explica.
 
Já de acordo com Roberto Rogerio Campos Filho, advogado da área previdenciária do escritório Rodrigues Faria Advogados, um dos remédios jurídicos mais utilizados no caso de problema com a comprovação é o mandado de segurança. “Uma vez demonstrado em juízo a prova de vida, a Justiça determina o restabelecimento do benefício suspenso ou cessado. Em alguns casos, tem admitido a reparação de danos materiais e morais”, relata.
 


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