Mulheres, professores e rurais poderão ser os mais prejudicados na reforma da Previdência

 
Caio Prates, do Portal Previdência Total
 
Até o final deste mês de fevereiro a equipe econômica do presidente Jair Bolsonaro deverá enviar a proposta final da reforma da Previdência. Nesta última semana vazou uma minuta preliminar da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que altera uma série de regras de acesso aos benefícios previdenciário e, principalmente, a aposentadoria. Entre os principais pontos estão: idade mínima para dar entrada na aposentadoria de 65 anos para homens e mulheres (professores, professoras e trabalhadores rurais – idade mínima de 60 anos); criação do sistema de capitalização; regra de transição por pontos; benefício de R$ 500,00 para idosos de baixa renda e a imposição de tempo mínimo de 40 anos de contribuição para ter direito à aposentadoria integral.
 
A nova idade mínima, segundo a minuta preliminar, seria válida apenas para quem ingressar no mercado de trabalho após a promulgação da PEC. Ou seja, para quem já está no mercado de trabalho não haverá uma idade mínima expressa em lei, mas um sistema de contagem de pontos (somando idade e tempo de contribuição) para ter acesso à aposentadoria, tanto para os trabalhadores e segurados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) quanto para os servidores públicos.
 
Na visão de especialistas em Direito Previdenciário, a proposta que está nas mãos da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, e que deve chegar para o presidente nos próximos dias, endurece as regras e realça a desigualdade social e previdenciária no Brasil.
 
O advogado Erick Magalhães, sócio do escritório Magalhães & Moreno Advogados, defende que, em que pese ser necessária a reforma da previdência, a proposta de reforma divulgada não é razoável, tampouco justa. “A reforma da Previdência, qualquer que seja, deve levar em consideração as diferenças existentes em nossa sociedade, pois vivemos num país continental. Especialmente porque ainda confere um tratamento diferenciado para algumas classes e categorias, como, por exemplo, os militares, que podem se aposentar aos 55 anos, segundo a proposta divulgada. Portanto, dez anos antes da regra geral”.
 
O especialista cita também que a proposta do governo pretende equiparar o regime previdenciário do Brasil aos países de primeiro mundo. “A reforma da Previdência é necessária; entretanto, não se pode equiparar as condições previdenciárias do Brasil com as do Japão ou a de outros países de primeiro mundo enquanto nossos trabalhadores não desfrutarem das mesmas condições desses países. O texto vazado lança o pobre à própria sorte e sacrifica aqueles que mais necessitam – tudo isso para economizar R$ 1 trilhão em 10 anos. Esquecem-se, porém, de que o Brasil está entre os países com maior desigualdade social do mundo e que as condições de vida e os salários dos trabalhadores daqui em nada se comparam aos daqueles de países com regime previdenciário semelhante ao ora proposto”, afirma Magalhães.
 
Mulheres
 
Os especialistas ressaltam que as mulheres serão as principais prejudicadas caso essa nova proposta seja a final. Para Adriane Bramante, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), o texto vazado sobre a PEC da reforma, embora não seja o oficial, assustou bastante, principalmente pela fixação da idade mínima de 65 anos também para as mulheres.
 
“Igualar os direitos entre homens e mulheres é um sonho que um dia será possível. Uma tendência. No entanto, no Brasil a desigualdade é manifesta, a exemplo da quantidade de feminicídios existentes no país. Não temos condições sociais, econômicas e culturais para esta igualdade hoje. E nem nos próximos 20 ou 30 anos. É inegável que a mulher desempenha inúmeras atividades paralelas ao trabalho que, apesar do discurso de que os homens ajudam, isso é ainda muito incipiente, principalmente em vários Estados brasileiros. A mulher aos 60 anos já está fisicamente exaurida e, muitas ainda agrega a tarefa de cuidados dos netos para que os filhos, já crescidos, possam trabalhar. Aprovar uma reforma previdenciária com essa ‘igualdade’ seria ferir o princípio da igualdade, pois daria tratamento isonômico quando eles, de fato, não existem”, analisa Bramante.
 
O advogado João Badari, especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, também acredita que as regras previdenciárias devem levar em consideração as diferenças existentes entre o homem e a mulher. “As mulheres devem ter um tempo menor que o dos homens para da entrada na aposentadoria em razão de suas especificidades, dentre elas a dupla e tripla jornada, cuidando do lar e dos filhos, além das atividades profissionais. É uma questão de Justiça social”, pontua.
 
Hoje, a aposentadoria por idade do INSS exige 60 anos para as mulheres e 65 anos para os homens para que seja concedida. Além disso, é necessário que o segurado apresente, no mínimo, 180 contribuições efetivas para a Previdência Social, ou seja, pelo menos 15 anos de recolhimento. Já na aposentadoria por tempo de contribuição, as seguradas têm que comprovar 30 anos de recolhimento e os segurados, 35 anos.
 
Rurais e professores
 
Segundos os especialistas, os trabalhadores e trabalhadoras rurais e professores e professoras também serão duramente afetados se o teor da PEC seguir o texto da minuta preliminar. Pela proposta divulgada, professores e professoras públicas e trabalhadores rurais terão que respeitar a idade mínima de 60 anos. Os professores terão que atingir também o tempo mínimo de contribuição de 25 anos. Já os trabalhadores rurais têm que atingir 20 anos.
 
Erick Magalhães observa que estabelecer uma idade mínima de 60 anos para trabalhadores rurais é um critério muito rígido e que não leva em consideração a penosidade das atividades realizadas no campo. “O trabalhador rural é aquele do campo que exerce um trabalho pesado. Não é justo que o trabalhador rural tenha um critério diferente mais rígido do que, pore exemplo, os militares. Ora, os militares são sim importantes e devem ser valorizados, como todos as outros categorias também devem ser valorizadas. Agora, o que não é justo, é exigir sacrifícios da parte mais fraca na balança, daqueles que mais sofrem”, avalia.
 
Na ótica da presidente do IBDP, grupos de trabalhadores em condições adversas precisam de tratamento e critérios diferentes de aposentadoria. “Exigir 60 anos de idade para professores e trabalhadores rurais é dar as costas par a realidade brasileira. São atividades extremamente penosas, que exigem regras especiais de aposentadoria, devendo também haver diferença de gênero, o que não foi observado no texto”, aponta.
 
João Badari reforça que os professores e o empregados rurais começam cedo em suas carreiras profissionais e a idade mínima de 60 anos é muito rígida. “É uma profissão extremamente árdua, tanto física como psicologicamente. Certamente haverá um aumento expressivo no número de benefícios por incapacidade do professor, por ele ter que trabalhar uma década a mais na sala de aula. Pelas novas regras, um professor terá que passar cerca de 35 anos em sala de aula, o que é extremamente exaustivo para a sua saúde.  E os trabalhadores rurais, geralmente, não conseguem atingir 60 anos com uma boa saúde por enfrentar as atividades exaustivas do campo, com exposição ao forte calor ou a frio congelante do inverno. A equipe econômica precisa rever estas regras”, opina.
 
Transição
 
A regra de transição para quem pretende se aposentar com o valor integral do benefício também será mais rígida. Segundo a minuta, a regra de transição por pontos inicial prevê 86 pontos, para mulheres, e 96 pontos, para homens, na soma da idade e do tempo de contribuição. Em 2020, essa regra atinge o teto de 105 pontos. Os professores começariam com 81 (mulheres) e 91 (homens), até o limite de 100 pontos.
 
“Vejamos, 105 pontos é um número muito alto, pois na prática representa um homem de 65 anos e 40 de contribuição ao INSS. Ou seja, ele e seu empregador terão de pagar por 40 anos a Previdência e, pela expectativa de vida estabelecida pelo IBGE, desfrutaria por apenas 11 anos do benefício da aposentadoria”, revela Badari.
 
Adriane Bramante defende que exigir idade mínima de 65 anos é tão rígido quanto exigir uma transição com pontos acima dos quais a idade estaria implícita. 
 
“Por exemplo: no texto vazado, os pontos são 86, mulher; e 96, homem, na transição. Ou seja, um homem com 35 anos de tempo precisar ter 61 anos de idade para atingir os 96 pontos. Ao final desta transição, a regra seriam 105 pontos, ou seja, 35 anos de tempo de contribuição e 75 anos de idade. Ao mesmo tempo há outra regra que exigirá 20 anos de carência e 65 anos de idade. Quem vai querer completar os pontos? Ninguém! É preciso um estudo mais aprofundado quando se fala em previdência, pois regras rígidas demais afastarão do sistema de proteção pessoas que hoje poderiam contribuir com valores até maiores, mas não o fazem diante do cenário de insegurança e descrédito que é transmitido atualmente”, alerta a presidente do IBDP.
 
 


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