Pente-fino do INSS entra na reta final com corte de metade dos benefícios avaliados

Arthur Gandini, do Portal Previdência Total
 
O processo de revisão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez por parte do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), conhecido como “pente-fino”, chega ao fim no próximo dia 31 de dezembro. De acordo com o último balanço divulgado pelo Ministério do Desenvolvimento Social, a operação rendeu uma economia de R$ 13,8 bilhões aos cofres públicos desde o seu início, em agosto de 2016, até novembro deste ano. Contudo, especialistas em Direito Previdenciário apontam que o resultado da operação ocorreu em meio a problemas nas perícias médicas e ao cancelamento equivocado de benefícios que ameaçou a condição de subsistência de segurados, que necessitaram buscar o auxílio da Justiça.
 
Foram convocados os segurados que recebiam auxílio-doença há mais de dois anos e aposentados por invalidez com menos de 60 anos e que recebiam benefício há mais de dois anos. As exceções são os beneficiários com 55 anos de idade, ou mais, e que recebem o auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez há mais de 15 anos, que ficaram imunes aos cancelamentos, conforme a lei 13.457/2017, que determinou as regras da revisão. Os segurados foram chamados por meio de correspondência.
 
“Diariamente encontramos segurados que precisaram se socorrer do Judiciário para restabelecer seu benefício, pois, mesmo ainda incapacitados, a perícia administrativa atestou sua recuperação de saúde”, afirma o advogado João Badari, sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, que foi responsável por diversas ações relacionadas ao pente-fino. “Este lado negativo da operação ensejou que muitos segurados ficassem sem poder se sustentar ou que se vissem obrigados a trabalhar doentes”, analisa.
 
Desde agosto de 2016, cerca de 1,1 milhão de perícias de revisão foram feitas pelo INSS. Um total de 552.124 mil benefícios foram cancelados após a perícia, o equivalente à metade das revisões realizadas. Ou seja, cada dois segurados que passaram pela reavaliação, um teve o benefício cancelado. 
 
No geral, até o início de novembro, foram cessados 359.553 auxílios-doença, das 464.429 perícias feitas, o que representa 77% do total. Já em relação às aposentadorias por invalidez, das 660.360 reavaliações, 192.571 benefícios considerados irregulares pelo INSS foram encerrados, num total de 29%.
 
De acordo com Roberta Maria Fattori, especialista em Direito Previdenciário do escritório Rodrigues Faria Advogados, é muito comum que questões relacionadas aos benefícios do INSS sejam levadas ao Judiciário. “Isso ocorre porque, no caso dos benefícios por incapacidade, os peritos não têm a especialidade de certas patologias do segurado e com isso, indeferem ou cessam benefícios, fazendo com que os segurados busquem os seus direitos no Judiciário”, exemplifica.
 
Perícia médica
 
O Ministério do Desenvolvimento Social aponta como razão para a agilidade da operação o fato de 96% dos médicos peritos do órgão terem aderido em fevereiro desse ano ao Programa de Gestão das Atividades Médico Periciais (PGAMP), que avalia a produtividade e não o número de horas trabalhadas. Das mais de 1,1 milhão perícias realizadas, mais de 900 mil foram feitas de março a outubro de 2018. 
 
Entretanto, especialistas avaliam que o trabalho dos peritos pode ter sido acelerado por conta do programa, como aponta Vitor Carrara, advogado previdenciário do escritório Stuchi Advogados. “O que analisamos nos últimos meses foram perícias realizadas em poucos minutos, sendo que os médicos peritos aderiram ao programa que tem como objetivo reduzir o tempo entre uma perícia e outra, aumentando assim o número de perícias realizadas no mesmo dia”, aponta.
 
Outra dúvida é relacionada a formação dos peritos e as doenças relacionadas aos benefícios. “O grande ponto é saber se a perícia médica é feita de forma eficaz avaliando o ponto de vista técnico, em virtude de muitas vezes o perito não ter especialização médica na área de patologia incapacitante. Um exemplo é o doente mental: se o médico não tiver formação em área psiquiátrica, terá dificuldade para realizar a avaliação de capacidade laborativa”, afirma Jair Ramon Morais, analista da consultoria Quality Accounting.
 
Já segundo Gilberto Maistro Junior, professor da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (FDSBC), outro problema é a possibilidade de conclusões díspares entre a do médico que acompanha o beneficiário e o perito. “Nesse caso, os beneficiários devem buscar orientação de um advogado para verificar a viabilidade de propositura de ação judicial, na qual um outro médico (perito judicial) será nomeado”, disse.
 
De acordo com Theodoro Vicente Agostinho, professor de Direito Previdenciário da escola preparatória Meu Curso, erros na revisão dos benefícios também podem ter sido motivados por falha na análise da documentação ou por fraude do segurado ou do servidor do INSS. 
 
Em nota, o Ministério do Desenvolvimento Social afirma que as perícias “seguem todos os requisitos técnicos, fundamentados na literatura científica, e éticos do Código de Ética Médica e do Servidor Público Federal” e que foram cessados “apenas os benefícios que não atendem mais aos critérios de sua concessão inicial, quando havia incapacidade laborativa, ou seja, em casos nos quais o perito avalia que o segurado recuperou a capacidade para o trabalho”. A pasta ainda observa que os beneficiários que não concordarem com o resultado da perícia podem entrar com recurso no Conselho de Recursos do Seguro Social (CRSS) ou solicitar um novo benefício.
 
O que fazer ao perder o benefício?
 
Caso um beneficiário ainda tenha seu benefício revisto em dezembro, às vésperas do fim da operação pente-fino, ainda é possível tentar reverter o cancelamento. 
 
De acordo com Josiane Donato, especialista em Direito Previdenciário, o segurado que perder o benefício por incapacidade precisará agendar a perícia o mais breve possível, podendo ligar no 135 ou mesmo pelo site: www.meu.inss.gov.br, devendo comparecer com todos laudos médicos e exames médicos para que os peritos possam analisar e assim atestar a incapacidade. Caso não seja reconhecida a incapacidade, o segurado que se sentir prejudicado por ainda encontrar-se incapacitado deverá procurar a Justiça para restabelecer o seu benefício.
 
João Badari explica que caso o segurado tenha faltado na data marcada da perícia sem apresentar justificativa, o benefício é suspenso até que uma nova perícia seja agendada e realizada de forma que se comprove a incapacidade. “Se não puder comparecer, o beneficiário deverá enviar um representante munido de procuração com firma reconhecida em cartório para justificar o motivo da ausência e fazer novo agendamento da data de perícia”, orienta.
 
Na data da perícia, segundo João Badari, o segurado deve reunir os seus laudos médicos, atestados, receituários de remédios, exames, entre outros documentos que atestem a sua incapacidade. “Os laudos e exames devem ser, de preferência, recentes, elaborados pelo especialista médico que acompanha a doença ou lesão do segurado. Quando agendada a perícia pelo INSS, ele deverá levar todos os documentos que comprovam sua incapacidade, para que o perito ateste a mesma. Importante relatar para o perito as atividades laborativas, demonstrando que não está capaz de realizar tais funções”, alerta o advogado.
 
Os especialistas observam que, caso o segurado esteja incapacitado para atividades normais cotidianas ou profissionais, mas tiver o benefício cortado, ele pode ingressar com um recurso administrativo no INSS. “Caso a questão não seja solucionada no órgão previdenciário, o segurado pode ingressar na Justiça para reaver seu benefício. Na ação judicial, um perito será indicado pelo juiz e o segurado passará novamente por uma perícia para atestar ou não sua incapacidade. Vale ressaltar que a perícia administrativa não interfere na via judicial”, pontua Badari. 
 


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