Reforma da Previdência não pode retirar direitos garantidos na Constituição, avaliam especialistas

Caio Prates, do Portal Previdência Total

A Reforma da Previdência Social no Brasil é uma das prioridades da equipe do presidente da República eleito, Jair Bolsonaro. Em seu primeiro discurso como novo comandante do país, Bolsonaro disse que, entre outras medidas econômicas urgentes, estará a mudança do sistema previdenciário. E suas palavras foram reforçadas pelo seu futuro ministro da Economia, Paulo Guedes.

Diversas propostas foram ventiladas nos últimos dias. A primeira era a de retomar a votação da reforma este ano no Congresso, com alguns ajustes no texto proposto pela equipe econômica do atual presidente Michel Temer. A segunda foi a de desenhar uma nova proposta para ser votada nos primeiros dias de 2019.

E, na última quarta-feira (31), um novo projeto de reforma da Previdência chegou às mãos da equipe do futuro governo. Desenvolvida pelo economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, e pelo especialista na área Paulo Tafner, o novo texto cria uma renda mínima para idosos, com um benefício universal sem limite de contribuição ou comprovação de renda; além da instituição da Previdência dos militares; a criação de fundos de pensões nos Estados, com a retirada do gasto com inativos da folha de pagamento estadual e a equiparação das previdências pública e privada em pouco mais de uma década. Segundo veiculado, as novas regras economizarão R$ 1,3 trilhão em dez anos.

Uma das polêmicas da mais recente proposta é a retirada dos benefícios previdenciários da Constituição Federal, que passariam ser detalhados em lei complementar. Segundo os economistas, a ideia é flexibilizar as regras para eventuais futuras mudanças, que podem ser necessárias pelo envelhecimento da população.

Na visão do professor da Universidade Federal do Paraná e autor de obras em Direito Previdenciário Marco Aurélio Serau Junior, em termos formais é possível a retirada dos benefícios da Constituição por meio de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC). “Formalmente, seria possível acrescentar alguma emenda à Constituição, mas do ponto de vista de conteúdo ou substancial, não seria possível, pois a medida contraria direitos fundamentais previstos pela própria Constituição, como a garantia da seguridade social. Ou seja, a matéria previdenciária faz parte da seguridade social, que não pode ser retirada da Carta Magna”, explica.

Serau Junior reforça que a seguridade social, hoje, é um direito fundamental e, assim, a sua retirada do texto constitucional violaria o princípio da vedação do retrocesso social. “Não é possível propor uma PEC que violaria o próprio texto atual da Constituição. Além do que essa proposta violaria também diversos acordos e tratados internacionais do qual o Brasil faz parte, como, por exemplo, o Tratado 102 da OIT, o Pacto Internacional de Direitos Sociais e a Declaração Universal do Direitos Humanos, que protegem o os direitos sociais do cidadão”, alerta.

A nova proposta analisada pela equipe de Bolsonaro também estabeleceria uma regra única para todo o sistema, incluindo segurados do INSS, servidores, professores e trabalhadores rurais, além de fixar uma idade mínima para aposentadoria de 65 anos para homens e mulheres.

De acordo com Adriane Bramante, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), a idade mínima de 65 anos é muito alta para o cenário atual brasileiro. “Principalmente em um país continental como o nosso, no qual a expectativa de sobrevida é muito diferente de norte a sul. No entanto, é necessário ter uma idade mínima, mas que ela seja adequada à nossa realidade social. O ideal seria equiparar a idade mínima do regime geral àquela dos servidores públicos atualmente (55 anos mulher e 60 anos homem), criando uma regra de transição a partir dos 48 anos de idade (mulher) e 53 anos (homem); manter o direito dos trabalhadores rurais; manter a conversão da aposentadoria especial e não exigir para esta a idade mínima, Além disso, seria essencial criar uma regra de transição para aposentadoria especial, manter a integralidade e a paridade dos servidores públicos ingressados antes da EC 41/2003 e não ter gatilho na idade ao aumentar a expectativa de sobrevida do IBGE”, avalia.

A especialista observa que seria possível votar uma proposta de reforma ainda este ano. “Seria possível, sim, votar a reforma da Previdência que já tramita no Congresso, mas desde que seja cessada a intervenção federal no Rio de Janeiro. A Constituição Federal não permite a votação de Emenda Constitucional quando há caso de intervenção federal. Se cessada a intervenção, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287/16 poderá ser votada ainda este ano”, diz.

Direitos

O especialista em Direto Previdenciário João Badari, sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, acredita que seja necessária uma mudança, um ajuste nas regras atuais da Previdência Social, pois a expectativa de vida brasileira aumenta anualmente e, ao longo das próximas décadas, a nossa Previdência não será estável. “Entretanto, é necessário um estudo mais profundo, uma auditoria nos números atuais, para que o trabalhador brasileiro e segurado do INSS não seja o único prejudicado e responsabilizado pelos problemas previdenciários do Brasil. A nova bandeira da reforma precisa e deve ter um olhar para os direitos dos atuais segurados”, aponta.

O professor e autor de obras de Direito Previdenciário Wladimir Novaes Martinez também destaca que a adoção da reforma não deveria depender de elementos políticos e econômicos, dois fatores sem conteúdo social. “A reforma justifica as modificações em face do déficit mórbido-demográfico-trabalhista, isto é, de sermos um povo doente, com baixa natalidade, alto crescimento da expectativa de vida e grande informalidade, desemprego e fim do emprego se aproximando”, analisa.

Os especialistas ressaltam que o ideal seria uma reforma com um maior debate e estudo dos números atuais da Previdência e uma garantia dos direitos dos segurados.

Para João Badari, deveria ser estudada e debatida a continuidade da aposentadoria por tempo de contribuição, “pois seria um enorme retrocesso social extinguirem este direito. Não podemos ter apenas aposentadoria por idade mínima no Brasil pois, em razão de suas peculiaridades territoriais e sociais, os menos favorecidos entram no mercado de trabalho jovens e a expectativa de vida desses trabalhadores é menor. Ou seja, contribuem mais e recebem menos. Vale citar como exemplo que dentro da cidade de São Paulo a expectativa de vida é de 80 anos, em média, nos bairros mais nobres, enquanto que na periferia a média de expectativa de vida é de 55 anos. Um grande contraste que retrata as diferenças nas regiões e estados brasileiros”.

Ele também defende um levantamento e uma ação para a cobrança dos principais devedores da Previdência: as grandes empresas. “Elas têm, segundo levantamento da CPI da Previdência Social do Senado Federal, dívidas de mais R$ 1 trilhão, com valores atualizados pela taxa Selic. E são esses mesmos grandes empresários devedores que clamam e defendem as mudanças nas regras de aposentadoria no País”, pontua.

A presidente do IBDP ressalta que uma reforma previdenciária atingirá os direitos sociais e, se não bem discutida com a sociedade e bem planejada, corre o risco de diminuir estes direitos fundamentais. “Já tivemos três mudanças importantes (Emendas Constitucionais 20/98; 41/2003 e 47/2005) e que modificaram bastante os critérios de concessão e manutenção dos benefícios, principalmente dos servidores públicos. Toda reforma provoca um desgaste muito grande na sociedade, que fica cada vez mais desacreditada no sistema previdenciário, além de criar uma enorme insegurança no sistema, afastando, cada vez mais, os beneficiários da Previdência Social Pública e do trabalho formal, indo na contramão da proteção social”, observa.

A especialista informa que aqueles que já completaram todos os requisitos para aposentadoria não precisam se preocupar, pois têm direito adquirido ao benefício. Mas aqueles que estão na iminência de completá-los correm risco, sim. “Há muitos trabalhadores para os quais faltam um ou dois anos para se aposentar com benefícios integrais e, caso haja mudança, eles precisarão adaptar-se às alterações, recebendo um benefício menor do que aquele que seria devido sem as mudanças. Não há regra de transição para o cálculo. Por exemplo: uma aposentadoria por idade com 15 anos de contribuição e média de R$ 2.500,00. Pela lei atual, o valor da aposentadoria seria de R$ 2.125,00. Com a reforma pela PEC 287/16, a aposentadoria seria de R$ 1.500,00. Este e outros prejuízos irreparáveis e sem qualquer estudo técnico (só o econômico) estão nesta reforma que se pretende aprovar”.

Capitalização

Outro ponto levantado para mudança no sistema é a introdução do regime de capitalização, em que cada pessoa é responsável por acumular sua própria reserva para a aposentadoria. A proposta de reforma da Previdência de Armínio Fraga estabelece um regime de contas individuais de aposentadoria para todos os nascidos a partir de 2014.

Neste regime de capitalização serão incluídos apenas aqueles que chegarão ao mercado de trabalho em 15 anos ou 20 anos, para não descapitalizar o sistema atual, de repartição.

“Atualmente estamos num sistema de repartição, em que os mais jovens financiam a aposentadoria dos mais velhos e o governo entra para cobrir eventual insuficiência. Esse sistema precisa de ajustes, mas funciona. Na minha opinião, este sistema de capitalização é preocupante e utópico, sendo apenas positivo na doutrina e não na prática, pois traz prejuízos no curto prazo, em razão da diminuição das receitas do instituto previdenciário, caindo sua renda e mantendo as despesas. No longo prazo, o sistema é ainda pior; como exemplo citamos o Chile, que adotou este sistema e hoje colhe os frutos de suas primeiras aposentadorias, que não custeiam os gastos do aposentado. Os trabalhadores chilenos são obrigados a depositar ao menos 10% do salário por no mínimo 20 anos para se aposentar. A idade mínima para mulheres é 60 e para homens, 65. Não há contribuições dos empregadores ou do Estado. Agora, quando o novo modelo começa a produzir os seus primeiros aposentados, o baixo valor das aposentadorias assustou o governo: 91% recebem menos de 149.435 pesos (cerca de R$ 800), ou seja, metade do salário mínimo do país”, revela João Badari.

Renda Mínima

Outro ponto previsto na proposta seria substituir o atual Benefício de Prestação Continuada (BPC) pela instituição de uma renda mínima universal para pessoas acima de 65 anos, que seria equivalente a 70% do salário mínimo no primeiro ano e com reajustes feitos com base na inflação anual.

O BPC é o benefício direcionada para idosos e pessoas com deficiência, com mais de 65 anos, que nunca contribuíram para a Previdência Social e estão em situação de miserabilidade, pois para ter acesso ao benefício é necessário comprovar que a renda mensal de sua família é menor do ¼ do salário mínimo. “É uma proposta drástica e que reduziria a miséria grande parte da população, que já vive em uma situação grave e nem consegue contribuir par ao sistema previdenciário”, avalia o professor Marco Serau.

 

 



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