Formação superior, isonomia salarial e a subjetividade da qualidade técnica

Felipe Rebelo Lemos Moraes*

Os números divulgados pela Organização das Nações Unidas (ONU) na avaliação global do Índice de Desenvolvimento Humano do ano de 2018, demonstram que as mulheres brasileiras, apesar de dedicarem mais tempo aos estudos, ainda estão em desvantagem quando o assunto é renda.  As informações nos remetem a um tema que invariavelmente é objeto de reclamações trabalhistas: a isonomia salarial.

Como se sabe, a Constituição Federal, especificamente em seu artigo 7º, inciso XXX, veda expressamente a diferenciação salarial, de exercício de funções por motivo de sexo, idade, cor ou estado social, o que, ao menos em primeiro momento, causa inquietação quando analisados os números apurados na avaliação global de IDH.

A vedação à discriminação salarial é ainda tutelada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu artigo 461, segundo qual, sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade.

Assim, não se pode conceber a existência mútua de salários distintos, na mesma empresa, para dois funcionários que executem as mesmas atribuições, ressalte-se, com a mesma perfeição técnica, ou seja, com qualidade equivalente.

Dentre outros fatores, a formação do empregado é sopesada para estimar sua remuneração.

Todavia, a matéria não é tão simples como parece à primeira vista. Isso porque, em determinados cargos, o binômio ‘escolaridade x salário’ pode não representar uma equação precisa.

Empregados que desempenham atividade eminentemente intelectual, ou seja, aquela que demanda maior capacidade de criação, inovação e raciocínio, habitualmente encontram mais resistência e dificuldade para comprovar, em ações judiciais, que exercem seus préstimos com a mesma qualidade que seu par, contudo, com salário inferior, o que violaria o princípio da isonomia salarial. É o caso, por exemplo, dos professores.

Especificamente nesses casos, o grau de escolaridade, por si só, não garante que a qualidade do trabalho prestado seja necessariamente superior ao de seu par. Ou seja, devido ao alto grau de subjetividade envolvido na prestação destes serviços, mesmo que o empregado comprovadamente tenha uma formação considerada superior, seja com uma pós-graduação, MBA, mestrado, doutorado, ainda assim não há como se garantir que a qualidade seja igual ou superior ao de outro empregado, que não detenha os mesmos títulos.

Com efeito, a subjetividade na apuração da qualidade do serviço prestado alarga a margem para a discricionariedade e, por conseguinte, de preferência pessoal, o que pode convalidar injustiças.

Em contraposição ao que se observa no trabalho intelectual, o exercício de trabalho manual oportuniza uma apuração mais acertada sobre a qualidade e a perfeição técnica do serviço prestado.

A disparidade apontada pela ONU na relação estabelecida entre ‘escolaridade x salário’ entre homens e mulheres, pode, dentre outros fatores, sofrer influência de relações empregatícias em que a qualidade técnica é subjetiva.

Não obstante, é certo que a discriminação salarial em virtude de sexo ainda está enraizada na sociedade brasileira de um modo geral, devendo ser reprimida através dos mecanismos judiciais adequadas, com o auxílio, sobretudo, da Justiça do Trabalho, Ministério Público do Trabalho e do Ministério do Trabalho e Emprego, que exercem função primordial na luta incessante pelo fim das desigualdades sociais.

*Felipe Rebelo Lemos Moraes é advogado de Direito do Trabalho do escritório Baraldi Mélega Advogados



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