Por que mesmo é feriado o 1º de maio?

 
Gustavo Ramos*
 
 
"Se com o nosso enforcamento vocês pensam em destruir o movimento operário - este movimento de milhões de seres humilhados, que sofrem na pobreza e, na miséria, esperam a redenção – se esta é sua opinião, enforquem-nos. Aqui terão apagado uma faísca, mas lá e acolá, atrás e na frente de vocês, em todas as partes, as chamas crescerão. É um fogo subterrâneo e vocês não poderão apagá-lo!" 
 
(August Spies, um dos oito condenados à morte por enforcamento, pela justiça americana, após a greve de Chicago deflagrada em 1º de maio de 1886)
 
Há quem acredite tratar-se, o 1º de maio, do dia do trabalho, já que o empresário também é trabalhador, assim como o funcionário público. Há quem sustente cuidar-se, o 1º de maio, do dia do trabalhador, pois não seria correto homenagear a atividade de trabalhar, subtraindo-se importância do trabalhador que a realiza. Uns têm o 1º de maio como dia de festa, de merecido descanso. Outros o têm como dia de resistência e de celebrar conquistas históricas dos trabalhadores. Seja como for, independentemente das motivações pessoais que podem ser buscadas para justificar o 1º de maio como dia sem trabalho ou para nomeá-lo, o contexto atual recomenda a lembrança relativa ao sentido histórico dessa importante data.
 
É fato que o 1º de maio, ou o dia do trabalhador, ou ainda o dia do trabalho, tornou-se uma data comemorativa, normalmente tida como feriado, em praticamente todos os países capitalistas. Até mesmo nos Estados Unidos da América, país em que o nome da data comemorativa é Dia do Trabalho - “Labor Day”, e não Dia dos Trabalhadores – “Workers´ Day”, como na maior parte do mundo, a ocasião ganhou um dia especial: primeiro domingo de setembro. Mas qual terá sido a verdadeira razão de tal benesse, se a origem da data está atrelada a um congresso socialista realizado em Paris em 1889?
 
Um olhar histórico crítico revelará, sem maiores dificuldades, que a transformação do 1º de maio em feriado cuidou-se, na verdade, de inteligente estratégia encontrada por diversos governos visando a evitar os frequentes confrontos entre patrões e empregados ocorridos nessa data. Com isto, promoveu-se o enfraquecimento da força simbólico-histórica de um dia que, por muito tempo, parou as economias dos países com greves e manifestações, por estimular o sentimento de solidariedade, em nível internacional, entre os trabalhadores.
 
O 1º de maio foi escolhido em homenagem a uma greve geral deflagrada nos Estados Unidos em 1º de maio de 1886, precisamente em Chicago, à época centro industrial daquele país, e cujo principal pleito fora a redução da jornada de trabalho de 13h para 8h diárias. Na prática da época, porém, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, as jornadas de trabalho, que podiam ser exercidas por crianças a partir de 5 anos de idade, chegavam a 17h por dia, não havendo falar em férias, feriados, segurança no trabalho ou aposentadoria. No dia 4 de maio, as manifestações em Chicago se intensificaram, especialmente na Haymarket Square, por meio de passeatas, piquetes e discursos inflamados que culminaram em violenta repressão policial, resultante em milhares de prisões e dezenas de mortes. 
 
Cem anos passados da Revolução Francesa, em 14 de julho de 1889, reuniu-se em Paris um congresso operário marxista, que contou com a participação de delegados representantes de milhões de trabalhadores de vinte países, marcando a fundação da chamada “Internacional Socialista” ou “Segunda Internacional”, idealizada por Friedrich Engels. Ali, em homenagem às vítimas da greve de Chicago, ao tempo em que se deflagrou uma campanha internacional pela jornada de trabalho de 8h diárias, foi aprovada a resolução histórica de tornar o 1º de maio “Dia Internacional dos Trabalhadores”, durante o qual se deveria manifestar os objetivos comuns das reivindicações operárias, reforçando o sentimento de solidariedade de classe.
 
Notável como a greve deflagrada em 1º de maio de 1886, em Chicago, constituiu marco histórico significativo de um processo que vinha amadurecendo em várias partes do mundo, chamando a atenção para a importância da internacionalização da luta dos trabalhadores pelo fim da exploração e em prol de uma nova concepção de igualdade, não apenas no campo civil ou político.
 
No Brasil, o 1º de maio tornou-se feriado nacional no governo de Artur Bernardes, em 1924, ao verificar que o dia era sempre marcado por greves e protestos. Ao assumir o poder, Getúlio Vargas, de modo perspicaz, passou a aproveitar o 1º de maio para anunciar medidas que beneficiavam os trabalhadores. Assim, por exemplo, Getúlio Vargas escolheu a data de 1º de maio de 1940 para anunciar a criação do salário mínimo e, mais tarde, em 1º de maio de 1943, anunciou a edição do Decreto-lei nº 5.452, que aprovou a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, conjunto de normas que regulamenta as relações trabalhistas até hoje, ainda que submetida a diversas alterações ao longo do tempo.
 
Feito o importante resgate histórico, indaga-se: há o que celebrar no feriado de 1º de maio de 2018 no Brasil? O contexto econômico, social e político indica que não. Para nos atermos ao tema do Direito do Trabalho, basta citar que o Presidente da República em exercício e o Parlamento promoveram, em 2017, significativas alterações no texto da CLT.
 
Sucede que a denominada reforma trabalhista, instituída precipuamente pela Lei 13.467/2017, sob a premissa de que tais modificações na legislação teriam o condão de gerar empregos, buscou diminuir a proteção e o nível salarial dos trabalhadores brasileiros. Tal se dá, por exemplo, por intermédio: a) de retirada explícita de direitos (por exemplo, pela extinção do direito às horas in itinere, em função da desconsideração da natureza salarial da gratificação de função etc); b) da abertura de via negocial visando à subtração de direitos, já que a negociação coletiva para a ampliação de direitos já era admitida pela Constituição de 1988 e não conflitava com a CLT; c) do enfraquecimento econômico e organizacional dos sindicatos; d) da flexibilização das jornada de trabalho visando à sua ampliação; d) do estímulo à terceirização, ao trabalho a tempo parcial e ao trabalho intermitente, modalidades sabidamente precarizantes de emprego; e) ao permitir que mulheres em estado gravídico ou lactantes sejam chamadas a trabalhar em atividades insalubres; entre outras alterações que constituem flagrante retrocesso social. 
 
Passados quase seis meses de vigência da reforma trabalhista, o desemprego no Brasil agravou-se no primeiro trimestre de 2018, segundo dados atuais do IBGE, chegando ao alarmante percentual de 13,1% ou 13,7 milhões de desempregados.
 
No atual contexto brasileiro, salta aos olhos que 2018 não é tempo de celebrar o 1º de maio no Brasil como um feriado festivo. Sequer é tempo de se lembrar de conquistas históricas, como a CLT, desfigurada em essência pela Lei 13.467/2017. Sem dúvida é tempo de greve, de resistência, de se interpretar sistematicamente leis claramente inconstitucionais, de se buscar a união entre empregados e desempregados, em nível nacional e internacional, porque direitos não caem do céu. Vêm a custo de sangue, suor e lágrimas. É tempo de relembrar os mártires de Chicago da greve de maio de 1886.
 
*Advogado com experiência relevante nas áreas de Direito do Trabalho, Ambiental do Trabalho e Constitucional, sobretudo no Tribunal Superior do Trabalho – TST e no Supremo Tribunal Federal – STF. Sócio de Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados. Mestrando em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas pelo Centro Universitário UDF, linha de pesquisa Constitucionalismo, Direito do Trabalho e Processo. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade Mackenzie. Graduado em Direito pela Universidade de Brasília – UnB.
 
 
 


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