“Césio 30 anos, eu também sou vítima”: três décadas do pior acidente radioativo do Brasil

 
Neste mês de setembro, o acidente com o césio-137, em Goiânia (GO), completa 30 anos. Considerado o maior desastre radiológico do mundo fora das usinas nucleares, o acidente causou a contaminação de milhares de pessoas e a morte de cerca de 100 pessoas em decorrência do contato e exposição à radiação, tanto de forma aguda, quanto ao longo de três décadas pelo câncer, doença insidiosa e de longa latência, ou seja, acima de 25 anos após o primeiro contato. Isso significa que os efeitos teratogênicos e mutagênicos ainda poderão ocorrer nessa e em futuras gerações.  E apesar de todo esse cenário, muitas vítimas ainda estão em busca de seus direitos e a reparação pelos danos psicológicos, físicos e sociais.
 
Em Goiânia, a data será marcada pelo evento “Césio 30 anos, eu também sou vítima”, que reunirá advogados, médicos, ativistas e especialistas em meio ambiente do trabalho. Entre os dias 12 de setembro e 21 de outubro, a cidade recebe uma série de atividades que visam não só à lembrança da tragédia como também ao debate sobre a atuação do poder público nessas três décadas que sucederam o acidente.
 
Na programação, há palestras sobre questões de saúde e direitos das vítimas; suas lutas pelo reconhecimento do nexo causal; aspectos jurídicos acerca da respectiva reparação; efeitos e condutas da radiação ionizante, entre outros temas. O evento contará ainda com exibição de documentários sobre o caso e com exposição de fotos que ilustram o terrível acidente e suas consequências para a população local.
 
Para Fernanda Giannasi, consultora em meio ambiente do trabalho do escritório Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados e uma das palestrantes do evento, “é preciso lembrar dos 30 anos da tragédia e aprofundar a consciência social sobre suas causas e consequências, buscando apoiar a reconstrução da vida e da cidadania das vítimas”.
 
Para isso, destaca Fernanda, “é primordial avaliar a atuação do poder público em relação ao atendimento à saúde, pensões e qualidade de vida das vítimas e seus familiares ao longo dessas três décadas, bem como analisar a extensão dos efeitos sociais e psicológicos do acidente sobre a sociedade goiana”, afirma.
 
Responsável por abordar os aspectos jurídicos envolvidos na reparação às vítimas da radiação, Érica Coutinho, advogada de Direito do Trabalho do escritório Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados, concorda com a necessidade de falar sobre o que fez ou deixou de fazer o governo nessa tragédia. “O evento servirá de voz para ecoar a falta de políticas públicas que possibilitem o tratamento adequado e reparação justa às vítimas da radiação e aos seus familiares e, principalmente, cobrar das autoridades ações para que acidentes como esse jamais se repitam”, ressalta.
 
O evento, aberto ao público, acontece em diferentes endereços. A programação completa e informações para participação podem ser obtidas pelo e-mail [email protected], ou pela página do facebook www.facebook.com/ArticulacaoAntinuclearBrasileira.
 
Relembre o caso
 
O acidente foi gerado em 13 de setembro de 1987, após dois catadores de lixo encontrarem um aparelho de radioterapia abandonado nas antigas instalações do Instituto Goiano de Radioterapia. Interessados na venda das estruturas de metal e chumbo da máquina em ferros-velhos da cidade, ambos se empenharam em desmontá-la. 
 
Cinco dias depois, a máquina foi comprada por um dono de ferro-velho que, com a ajuda de dois funcionários, retirou o que considerava as peças mais valiosas a serem comercializadas. Entre essas peças, estava a cápsula com 19g de césio-137, substância similar ao sal de cozinha, mas que no escuro ganhava brilho e intensa coloração azul. Impressionado com essa aparência e pensando se tratar de algo de grande valor, o dono do estabelecimento não só levou a cápsula para casa como recebeu a visita de parentes e muitos moradores curiosos para vê-la de perto. 
 
Todos que tiveram contato com o material sentiram os mesmos sintomas, como tontura, náuseas e diarreia. Intrigada com essa situação, a esposa do proprietário do ferro-velho levou a cápsula até a Vigilância Sanitária, que imediatamente identificou a substância radioativa. Somente no dia 29 de setembro daquele ano os sintomas, então, foram oficialmente reconhecidos como contaminação radioativa e, no dia seguinte, iniciou-se o processo de descontaminação da região. A demora de duas semanas ocorreu por uma decisão política, para evitar que a notícia se espalhasse e atrapalhasse uma competição internacional de motociclismo que acontecia em Goiânia.
 
Aproximadamente 115 mil pessoas foram monitoradas e mais de 13 toneladas de material contaminado foram enviados para um depósito especial construído na cidade de Abadia de Goiás.
 
Oficialmente, a exposição à radiação ionizante fez quatro vítimas fatais. Mas, de acordo com a Associação de Vítimas do Césio-137, o número é bem maior – se aproxima de 100. Com relação ao número de contaminados, o Ministério Público reconhece apenas 628 vítimas, mas a associação estima que o total de pessoas atingidas pela radiação seja superior a seis mil.
 
Passadas três décadas da tragédia, quase mil pessoas ainda seguem monitoradas pela Superintendência Leide das Neves (SuLeide), instituição que presta assistência às vítimas.
 
Por tudo isso, reforça Fernanda Giannasi, “é absolutamente necessário lembrar o acidente e seguir cobrando das autoridades justiça, além de políticas públicas que evitem tragédias como a ocorrida há trinta anos”.
 


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