Trabalhadores poderão ter jornada intermitente e salário por hora

 
Caio Prates, do Portal Previdência Total
 
As relações e os contratos trabalhistas no Brasil poderão sofrer alterações num futuro próximo. A proposta de reforma trabalhista, mesmo após a crise política instalada no Planalto, está avançando no Congresso Nacional e nos próximos dias será votada no Plenário do Senado. Entre as alterações mais significativas está a possibilidade da criação do contrato de trabalho intermitente. Esta modalidade, também conhecida no exterior como contrato “zero hora”, prevê que o trabalhador seja convocado conforme a demanda da atividade e remunerado com base nessas horas que efetivamente trabalhar.
 
Atualmente, segundo os especialistas em Direito do Trabalho, esse tipo de contrato não é previsto nas leis trabalhistas. A regulamentação em vigência segue o princípio da continuidade do contrato de trabalho, ou seja, em regra o contrato de trabalho deve ser contínuo e por prazo indeterminado. Os empregadores têm que remunerar os funcionários mensalmente, pelos 30 dias de trabalho, não existindo a hipótese de o funcionário trabalhar apenas os dias necessários e receber somente por eles.  Os advogados alertam que o projeto altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para instituir o contrato de trabalho intermitente.
 
De acordo com Rafael Martins dos Santos, advogado especialista em Direito do Trabalho de Baraldi Mélega Advogados, trata-se de um contrato que formalizará a possibilidade de atividades que serão pagas por hora trabalhada. “É um contrato de trabalho em que não há salário fixo mensal, e sim salário por hora, observando-se o salário mínimo-hora. Neste tipo de relação, o trabalhador fica sem uma jornada fixa e é convocado para trabalhar com três dias de antecedência. É também chamado de “contrato zero hora”, ou “zero-hour contract” na Inglaterra”, explica.
 
A proposta da reforma trabalhista estabelece que o contrato de trabalho intermitente estabeleça, necessariamente, o valor da hora de trabalho e ser feito por escrito. “Essa hora de trabalho não pode, em hipótese alguma, ser menor do que o valor da hora do salário-mínimo ou do salário-hora pago aos empregados efetivos da função”, alerta o advogado.
 
Lucas Nunes Ruchinhaka, advogado do escritório Furtado Pragmácio Filho e Advogados Associados, ressalta que no projeto da reforma trabalhista aprovado recentemente pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado,  o contrato intermitente poderá ser aplicado para todo tipo de atividade, exceto para os aeronautas, regidos por lei própria.
 
“Segundo a proposta, o empregador deverá convocar o empregado com pelo menos três dias de antecedência e informar a jornada. O trabalhador terá até um dia útil para responder se aceita. A recusa não gera prejuízo ao trabalhador. Caso uma das partes descumpra o contrato sem motivo plausível deverá pagar, em 30 dias, multa no valor de 50% da remuneração que seria devida”, orienta.
 
Ruchinhaka destaca que após cada período de prestação de serviços, o empregado deverá receber todos os direitos que lhe seriam devidos caso fosse rescindir o contrato por prazo indeterminado comum. “Ou seja, ele terá direito à sua remuneração, férias proporcionais mais um terço, 13º salário proporcional, repouso semanal remunerado e os adicionais legais que lhe sejam devidos”.
 
Outro ponto importante é que a empresa deverá recolher a contribuição previdenciária e o FGTS normalmente pelo empregador durante a prestação do serviço.
 
Quarentena
 
Os especialistas observam que, pela proposta aprovada, durante o período de inatividade o empregado poderá prestar serviços à outras empresas. “Dois ou mais contratos podem intermitentes coexistir”, aponta Rafael dos Santos
 
Na recente discussão no Senado, o senador Armando Monteiro propôs um substitutivo para limitar o trabalho intermitente apenas para “estabelecimentos que demandem trabalho intermitente, assim entendida a atividade com descontinuidade ou intensidade variável”.
 
Um grupo de senadores também defendeu a adoção de uma quarentena de 18 meses para a recontratação por meio de jornada intermitente de algum trabalhador, assim como o texto da reforma já prevê para casos de terceirização. “Neste caso, o objetivo é o de evitar que, após aprovada e sancionada a nova lei, trabalhadores como garçons, por exemplo, sejam demitidos de contrato de trabalho a prazo indeterminado e recontratados como trabalhadores intermitentes”, revela o advogado.
 
Efeitos
 
Para os especialistas existem pontos positivos e negativos na aprovação do contrato de trabalho ou jornada intermitente.  Algumas profissionais que atuam em atividades que não têm uma regulamentação específica como, por exemplo, diaristas e trabalhadores de eventos, poderão ser beneficiados com esta nova regulamentação.
 
Na visão de Rafael dos Santos, uma das intenções do projeto é estabelecer proteção para o trabalhador informal e trazê-lo para a formalidade, o que tende a aumentar postos e ofertas de trabalho. “Muitos tipos de trabalho já são – por sua natureza – intermitentes, mas não encontram regulamentação na CLT, o que acaba gerando a informalidade. A reforma, neste aspecto, acabaria com essa informalidade, como nos casos dos para garçons de buffets e até mesmo para diaristas”.
 
Para o especialista, os setores que serão mais afetados pelo contrato intermitente serão os setores de hotelaria, gastronomia, saúde e educação. “São esses setores que mais utilizam esse tipo de contrato na Inglaterra”.
 
Na opinião do advogado Ruslan Stuchi, sócio do escritório Stuchi Advogados, existem mais pontos negativos para os trabalhadores com a regulamentação da jornada intermitente.
 
“Na prática, as empresas reduzirão o número de horas trabalhadas pelos empregados, ou até mesmo o número de empregados. Por exemplo, em bares e restaurantes onde existe a jornada necessária de 8 horas para almoço ou janta, a empresa poderá contratar empregado por apenas 4 horas para cada refeição. Ou seja, ao invés de ter garçons fixos para almoço e outros garçons para janta, a empresa contratará o mesmo garçom para almoço e janta, dividindo sua jornada em cada refeição do estabelecimento”.
 
Outro ponto negativo, segundo Stuchi, é a insegurança para o empregado com relação à jornada de trabalho e à remuneração. “O funcionário não terá certeza sobre a sua jornada de trabalho e também não saberá quanto ganhará mensalmente. Isso porque, nesta modalidade, a empresa poderá determinar mudança da jornada e de sua carga horária”, pontua.
 


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